segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Haverá vontade e coragem?

Ninguém pode negar que se tem vindo a assistir a um crescendo de tomada de consciência e de sensibilização por parte da população mundial, no que se refere às ameaças decorrentes do aumento de emissão de gases com efeito de estufa, sobre a vida no planeta. Os grupos de pressão que entretanto se foram criando, levaram a nova administração americana a rever a posição conservadora que até aí detinha, criando uma política de economia verde. No mundo ocidental onde vivemos e melhor conhecemos, sabemos que todos os partidos políticos passaram a incluir nos seus programas, as denominadas políticas do ambiente e a necessidade de maiores investimentos em energias alternativas (energias verdes).
Todos certamente estão de acordo quanto à positividade destes sinais. Dá para perceber que as posições e as mentalidades estão de facto a mudar um pouco por todo o mundo. No entanto, será suficiente o que as nações estão neste momento a executar em prol da diminuição da emissão dos gases com efeitos de estufa? Os especialistas mais conceituados dizem que não. Estes afirmam que a ameaça é real e que quanto mais tempo se demorar a reagir objectivamente, mais e maiores esforços serão despendidos. Acrescentam ainda que as alterações climáticas estão efectivamente a acontecer e que um dia poderão atingir o patamar de irreversibilidade, sem que ninguém possa informar antecipadamente quando esse dia irá chegar.
Não quero ser pessimista e muito menos alarmista, mas tenho que ser realista e afirmar que não posso deixar de olhar para este nosso mundo com alguma inquietação. Sei que para enfrentar os desafios globais é preciso mais cooperação entre as nações e elevar os níveis de solidariedade internacional a uma escala nunca antes vista, sendo que é aos povos mais ricos que serão exigidos os maiores sacrifícios. O mundo atravessa uma fase de crise internacional, na qual a credibilidade moral de pessoas influentes, ficou seriamente manchada. A própria crise fez com que os países olhem mais para dentro do que para fora. Por outro lado, não é menos verdade que se assiste a um enfraquecer de legitimidade das lideranças nas sociedades modernas, o que mina a mobilização e o desenvolvimento de ideais.
Terão os povos ocidentais dispostos a alterar profundamente o seu modo de vida e a contribuir solidariamente e generosamente com o resto do mundo subdesenvolvido? Estarão os países emergentes, China e Índia, dispostos a retardar a sua saída do subdesenvolvimento? Se estiverem, em que condições e a que preço? Será possível criar consensos a nível global sobre compromissos e acções a implementar, nos quais todos se sintam compensados e ninguém se sinta lesado?
Se formos capazes de responder de forma positiva e muito rapidamente a estas questões, então poderei ser levado a acreditar que talvez possamos estar à altura do desafio.
Serrone

sábado, 27 de junho de 2009

As soluções existem.


Para salvar o planeta para vida, antes de mais é preciso que o homem tenha aprendido com os erros do passado e tenha percebido que o actual rumo da actividade humana não é sustentável. Os problemas são globais e por isso exigem soluções globalmente assumidas por todas as nações do mundo, sem excepção, para que se evite e minimize os principais riscos que a humanidade enfrenta.
Como já escrevi em crónicas anteriores, em teoria é possível levar o crescimento económico e a criação de riqueza a cada vez mais regiões do planeta, preservando as condições ambientais necessárias à vida. A dificuldade em atingir esse objectivo tão ambicionado, não está na falta de soluções técnicas e economicamente viáveis, mas tão só na dificuldade das nações cooperarem globalmente entre si, para implementar essas soluções.
Na verdade, no passado recente foram dados importantes passos, tendo a maioria das nações adoptado um quadro de compromissos globais partilhados, fundamentais à criação de um futuro comum sustentável. Estou a referir-me, entre outros aos princípios que resultaram da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima mais conhecido por Protocolo de Quioto, da Convenção Sobre a Diversidade Biológica e da Declaração do Milénio que inclui os oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Lamentavelmente, apesar de todos estes acordos serem apresentados ao mundo com alguma pompa e circunstância, o quadro de intenções nele contidos, tem ficado mesmo por ai, por intenções. Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, aquela que mais tem contribuído para a insustentabilidade ambiental, não ratificaram nenhum dos tratados mencionados. As sucessivas administrações da maior potência mundial, têm-se mostrado incapazes de vencer os lóbis, sempre adversos a mudanças que eventualmente lhe possam trazer perda de domínio económico e financeiro.
Barak Obama apresentou-se aos americanos e ao mundo com vontade de iniciar o processo de mudança, falando de um novo “paradigma da economia verde”, da necessidade do estado assumir a protecção dos valores sociais, ambientais e culturais para se construir uma nova prosperidade comum. O novo presidente parece querer cortar com as amarras do passado que nos estavam a levar para o abismo, por essa razão vejo renascer a esperança. O mundo precisa de uma liderança forte que nos guie a todos no caminho da sustentabilidade. A crise económica e financeira não poderá ser um óbice, mas sim uma janela de oportunidades para os líderes mundiais se empenharem em alcançarem os objectivos globais. É necessário reinventar a forma de se efectivar a cooperação global, de mobilizar todos os governos, as organizações internacionais, o sector privado e as organizações académicas e não governamentais.
O poeta Wallace Stevens escreveu: “ Depois do não final vem um sim. E deste sim depende o futuro do mundo”. Muitos nãos vão certamente ainda ser ouvidos, disso não tenho a menor dúvida, mas ninguém consciente poderá desistir. A nossa geração tem em mãos uma responsabilidade imensa em relação às gerações futuras. Temos que aprender rapidamente a aproveitar o conhecimento científico e tecnológico e a fomentar uma nova ética de cooperação global que conjugue o bem-estar económico e a sustentabilidade ambiental.
Serrone

domingo, 7 de junho de 2009

De que estamos à espera?


Home – O Mundo é a Nossa Casa produzido pelo fotógrafo francês Yann Arthus – Bertrand, lançado mundialmente no passado dia 5 de Junho, dia Mundial do Ambiente, para além de mostrar imagens verdadeiramente excepcionais e raras, enquanto retrata objectivamente as fragilidades do modelo de desenvolvimento das sociedades modernas, traz uma mensagem de esperança à humanidade, de que ainda é possível salvar o que resta do planeta.
Confesso que desconhecia o referido documentário, quando escrevi a crónica anterior, “Desafio Global”, a primeira de outras que me propus escrever sobre os grandes desafios que a humanidade vai ter que enfrentar nesta e nas próximas gerações. Se tivesse que escolher um documentário para introduzir o tema, certamente não iria hesitar. O filme de Yann Arthus seria a minha opção, por isso o aconselho a todos os que ainda não tiveram a oportunidade de o ver. Façam-no quanto antes (link: http://www.youtube.com/watch?v=tCVqx2b-c7U&feature=channel ) .

Já não existem dúvidas que as mudanças climáticas são antropogénicas (derivadas da actividade humana). Citando John Kennedy: “Os nossos problemas são gerados pelo Homem; podem, portanto, ser resolvidos pelo Homem. Nenhum problema associado ao seu destino está fora do alcance dos seres humanos”. Palavras de grande sensibilidade e geradoras de enorme impacto histórico no passado recente e que, de novo, voltam a revestir-se de uma enorme oportunidade política, agora que o ser humano enfrenta o desafio da sustentabilidade do planeta para a vida. Segundo é dito por Yann Arthus: “É tarde demais para ser pessimista”… “A humanidade tem 10 anos para inverter a trajectória que levará a Terra a um ponto sem retorno, até ao caos. Vamos enfrentar os factos. Temos que acreditar. Temos muito pouco tempo para mudar”... “Mas já existem testemunhos de uma nova aventura humana baseada na moderação, na inteligência e na partilha. Está na hora de nos unirmos. O importante agora não é aquilo que se foi, mas aquilo que resta. Ainda temos metade das florestas do planeta, milhares de rios, lagos e glaciares e milhares de espécies que prosperam. Nós sabemos que existem soluções. De que estamos à espera?”.
Serrone

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Home - O Mundo é a Nossa Casa


Para assinalar o Dia Mundial do Ambiente, estreia-se hoje a nível mundial o filme documentário Home - O Mundo é a Nossa Casa. Assinado pelo fotógrafo francês Yann Arthus - Bertrand, trata-se de um documentário que nos dá imagens de todos os cantos da Terra vistos do ar, acompanhadas por um texto que nos vai falando da história do mundo em que vivemos, da vida natural, do ser humano e das ameaças ambientais.

Pode ver na Internet em http://www.youtube.com/homeproject, hoje às 20:30 h na RTP 2, nos ecrãs de cinema das salas Zon Lusomundo, em DVD e Blu-ray à venda na Fnac.

Serrone

domingo, 31 de maio de 2009

O desafio global


Não podemos evitar o período que se aproxima e que muitos analistas denominam de «Ajustamento Económico» e que eu prefiro denominar «Ajustamento Ambiental, Social e Económico».
Este foi um dos temas que desenvolvi numa das crónicas do final de Fevereiro. Desde a sua publicação, tenho recebido ocasionalmente algumas comunicações que, embora reconheçam o interesse e a pertinência das ideias expostas, referem não acreditar que alguma vez estas possam ser postas em prática. Segundo estes leitores, os grupos de interesses que dominam o sistema capitalista, procurarão sempre tirar as maiores vantagens económicas/financeiras, minimizando despesas e maximizando o lucro, deixando para segundo plano as questões ambientais e sociais.
Irá ser sempre assim? Se olharmos para a história da humanidade, quase somos levados a concordar que sim. Mas os erros cometidos no passado, trouxeram o planeta ao ponto em que nos encontramos, o mais grave de sempre. O homem tem feito uma péssima gestão dos recursos naturais, pelo que se torna imprescindível aprender rapidamente com os erros do passado e implementar medidas urgentes para poder salvaguardar o que resta destes, para as gerações futuras. Se não se inverter a lógica de desenvolvimento das últimas décadas, a actual trajectória ecológica, demográfica e económica será insustentável e acentuará:
- As mudanças climáticas, extinções de espécies e destruição de funções vitais de suporte à vida.-O aumento do número de habitantes do planeta, principalmente em zonas incapazes de absorver uma população crescente.
-O aumento da pobreza extrema na população mundial. Há pessoas a morrer todos os dias à fome e com doenças, sem receber qualquer benefício do desenvolvimento do resto do mundo.
-A diminuição acentuada da disponibilidade de todos os recursos, com repercussões geopolíticas inimagináveis.

Estes problemas não se resolvem por si mesmo, conforme já deu para perceber com a actual crise. Nenhuma região do mundo ficará de fora, também as mais ricas serão irremediavelmente afectadas. Alcançar metas e resoluções a uma escala global pode parecer impossível, mas é a única saída para evitar o pior. Os desafios são globais e por isso exigem soluções globais. O mundo necessita urgentemente de acordos e atitudes internacionais generalizadas, que sejam capazes de responder aos desafios globais.
Nas próximas crónicas procurarei desenvolver esta temática, abordando com a maior detalhe os problemas ecológicos, demográficos e económicos, suas causas e possíveis soluções. Desta vez pareceu-me interessante tentar explicar como é que estes factores estão inter-relacionados. Vou tentar fazê-lo de uma forma bastante simples: utilizando uma fórmula matemática de fácil compreensão, desenvolvida por P. Ehrlich e J. Holdren em «One – Dimensional Ecology» , Bulletin of the atomic Scientists em Junho de 1972, mas que ainda hoje se mostra adequada e ajustada.
I= P x A x T
Sendo:I - Impacto humano total sobre o ambiente; P – População mundial; A – Rendimento per capita (médio) e T – Impacto ambiental por unidade monetária de rendimento.
A fórmula refere que o Impacto humano sobre o ambiente aumenta quando aumenta a actividade económica total e depende do tipo de tecnologia que está a ser usada.
Em economia, o que define a magnitude da actividade económica mundial é o Produto Mundial Bruto que é igual à multiplicação da População Mundial (P) pelo Rendimento per capita (A), o valor P x A da nossa fórmula. Desde 1950, a população mundial aumentou de 2,5 mil milhões de pessoas para os actuais 6,7 mil milhões, sendo que o rendimento per capita, também tem vindo sempre a aumentar. Estima-se que, desde 1950, o produto económico do mundo tenha aumentado cerca de oito vezes, até aos nossos dias.
Segundo algmas previsões, o crescimento demográfico média até 2050 poderá levará a população mundial até aos 9,2 mil milhões. Se fosse possível manter os níveis de crescimento que se verificavam antes da crise actual, o rendimento per capita aumentaria ainda cerca de quatro vezes, até 2050. A conjugação de ambos os factores, elevaria o Produto Mundial Bruto cerca de 6 vezes, até meados do século XXI.
O que estou a tentar demonstrar a todos os nossos leitores é que, a manter-se o cenário de crescimento demográfico e económico dos últimos anos, o impacto humano sobre o ambiente aumentará cerca de 6 vezes até ao ano 2050.
Não será preciso evidenciar os efeitos devastadores que tal acarretaria para o planeta? Basta pensarmos que, já hoje se vive uma situação insustentável sob o ponto de vista ambiental.

Até agora falamos do valor P e A da fórmula. Vamos agora perceber melhor o valor T, propositadamente deixado para o fim:
Ao desenvolvermos a actividade económica, com as tecnologias disponíveis no momento, provocamos uma determinada carga ambiental. Utilizamos e poluímos recursos, emitimos gases com efeito de estufa, etc. Digamos que, por métodos matemáticos mais complexos, é possível quantificar o impacto que provocamos no ambiente, por unidade de rendimento obtida no exercício da actividade económica. Este impacto é representado na fórmula com a letra T. Quanto maior for a actividade económica, maior será o valor de T e maior o impacto desta no ambiente.
Pensemos agora no que será o valor inverso de T o qual iremos identificar com a letra S. O inverso de T será 1/T e dá-nos o rendimento que é produzido no exercício da actividade económica, por unidade de impacto ambiental. Como se trata do inverso de T, percebemos facilmente que quanto mais elevado for o valor de S, menor será o impacto nos sistemas naturais. As tecnologias de elevado valor de S, são as tecnologias sustentáveis ou tecnologias limpas.
A fórmula inicial também é conhecida com a expressão:
I=P x A x S,
Sendo S =1/T (Rendimento que é produzido por unidade de impacto ambiental, valor sempre menor que 1).

O conhecido economista Jeffrey Sachs, afirma que o desafio global que é colocado actualmente à humanidade, é conseguir estabilizar o valor de P (população mundial) de forma a não ultrapassar os 8 mil milhões de pessoas em 2050 e investir na sustentabilidade das tecnologias (S), entre as quais se incluem as energias renováveis, captação e armazenamento de dióxido de carbono, a piscicultura sustentável, a irrigação gota a gota, melhores variedades de sementes. Tudo isto maximizando o desejável aumento do Rendimento per capita (A).
“Seguindo esta estratégia, o mundo poderá suportar um aumento do rendimento global sem sofrer uma catástrofe ambiental”.

Serrone

domingo, 24 de maio de 2009

Economia Comportamental - Previsivelmente Irracional


A capa da edição portuguesa do livro "Previsivelmente Irracional" tem uma pergunta: "Porque é que pessoas inteligentes tomam decisões irracionais todos os dias? A resposta vai surpreendê-lo”.

À luz da economia comportamental, o professor do MIT Dan Ariely explica, com muitos exemplos à mistura, como tomamos decisões e porque somos não só irracionais, mas previsivelmente irracionais ao fazê-lo.

Porque é que decidimos fazer dieta mas desistimos logo que chega a sobremesa? Porque é que compramos tantas coisas que não precisamos e que nunca iremos usar? Nunca lhe aconteceu ler uma ementa num restaurante, ter uma ideia daquilo que queria comer ou beber e acabar por alterar a sua escolha porque ouviu um pedido na mesa ao lado, ou porque resolve seguir o exemplo de quem partilha a mesa consigo? Porque será que um medicamento caro nos faz sentir melhor do que um barato? O custo faz a diferença na forma como nos sentimos? Porque é que temos tanta dificuldade com as opções? Porque sobrevalorizamos o que temos e subavaliamos o que queremos adquirir? Porque não poupamos parte dos nossos salários, como sabemos que devíamos fazer? Porque não resistimos às novas compras? O que é tão cativante no "grátis"? Quem poderia estar interessado apenas numa opção quando, pelo mesmo preço, poderia ficar com as duas? Porque motivo as pérolas são tão caras? Porque gostamos de fazer coisas quando não somos pagos para o fazer? Porque é que o sexo altera o nosso comportamento? Porque somos desonestos sem o reconhecer? Porque ficamos mais honestos quando lidamos com dinheiro?

A todas estas perguntas, Dan Ariely vai dando respostas, explicando as experiências que foi fazendo ao longo dos anos com os seus alunos. Tudo isto à luz da economia comportamental, que o próprio define no livro como "um campo relativamente novo que aborda aspectos simultaneamente psicológicos e económicos". E é assim que tenta compreender o comportamento humano e a forma como se processam as nossas decisões. Chega à conclusão, por exemplo, que a teoria da economia convencional de que os preços resultam de um equilíbrio entre duas forças - a oferta e a procura - é uma "ideia elegante", mas assenta num pressuposto errado: o de que as duas forças são independentes. Na verdade, diz, o valor que as pessoas estão dispostas a pagar é facilmente manipulável.

Neste artigo, pretende-se salientar alguns dos aspectos mais relevantes do livro, não se devendo no entanto dispensar a sua leitura integral, a qual aconselho vivamente.
“A economia convencional pressupõe que somos racionais, que conhecemos todas as informações pertinentes às decisões que tomamos, que podemos calcular o valor das diferentes opções que analisamos e que estamos cognitivamente desimpedidos para ponderar as ramificações de cada potencial escolha.
O resultado é a presunção de tomarmos decisões lógicas e sensatas. Mesmo que tomemos uma decisão errada de vez em quando, a perspectiva da economia convencional sugere que aprendemos rapidamente com os erros, quer por modo próprio, quer pela ajuda das «forças de mercado» Com base nestas premissas, os economistas deduzem conclusões muito profundas sobre tudo, desde tendências de moda a leis políticas públicas.
Mas, como demonstraram os resultados apresentados no livro, somos muito menos racionais a tomar decisões do que a economia convencional pressupõe. Os nossos comportamentos irracionais não são aleatórios ou erráticos, mas previsíveis e sistemáticos. Todos nós repetimos constantemente o mesmo tipo de erros, devido ao modo como funciona o nosso cérebro. Logo, não seria bom alterar os padrões da economia e afastarmo-nos de uma psicologia ingénua, que falha muitas vezes nos testes do raciocínio, introspecção e, mais importante, de escrutínio empírico?
Não faria mais sentido se a economia se baseasse na forma como as pessoas realmente se comportam, em vez de como se deveriam comportar? Esta simples ideia é a base da economia comportamental, um campo de estudo emergente focalizado no conceito (bastante intuitivo) de que as pessoas sempre se comportam racionalmente e que muitas vezes se enganam nas decisões que tomam.
Não é agradável constatar que tomamos continuamente decisões irracionais nas nossas vidas pessoais, profissionais e sociais. Mas há uma luz de esperança, pois o facto de cometermos erros também implica que podemos sempre melhorar as decisões que tomamos e que, portanto, temos oportunidade para «borlas». Uma das principais diferenças entre a economia convencional e a comportamental tem a ver com este conceito de «borlas». Segundo a primeira, todas as decisões humanas são informadas e racionais, motivadas por um conceito apurado do valor dos bens e serviços e da quantidade de felicidade (utilidade) que têm probabilidade de gerar. Com este conjunto de premissas, todas as pessoas no mercado tentam maximizar o seu lucro e esforçam-se por optimizar as suas experiências. Consequentemente a teoria económica determina que não existam almoços de borla. Se houvesse, alguém já teria extraído o seu valor.
Por outro lado os economistas comportamentais acreditam que as pessoas são susceptíveis às influências irrelevantes que as rodeiam (a que se chama efeitos de contexto) às emoções irrelevantes, à falta de perspicácia e a outras formas de irracionalidade (para mais exemplos consulte cada um dos capítulos do livro)
Quais as boas novas que acompanham este entendimento? É que os erros também proporcionam oportunidades para melhorar. Se todos cometemos erros sistemáticos nas decisões, então porque não desenvolver novos métodos e estratégias que nos ajudem a melhorar as decisões e a aumentar o nosso bem-estar geral?
Segundo a perspectiva da economia comportamental, os almoços à borla significam exactamente isso, a ideia que existem instrumentos, métodos e políticas para nos ajudarem a decidir melhor e, consequentemente, a alcançar o que desejamos.
Da perspectiva da economia comportamental, o potencial dos «almoços à borla» reside nos novos métodos, mecanismos e intervenções que ajudassem as pessoas a alcançar mais do que verdadeiramente desejam e de proporcionar mais benefícios do que custos a todas as pessoas envolvidas.
O livro descreve ao longo dos capítulos uma força (emoções, a realtividade, as normas sociais) que influencia o nosso comportamento. Essas influências exercem muito poder no comportamento, mas a nossa tendência natural é subestimar grandemente ou mesmo ignorar esta força. Elas afectam-nos, não por nos faltarem os conhecimentos e a prática, ou por sermos fracos, pelo contrário, elas afectam continuamente tanto especialistas como principiantes de formas sistemáticas e previsíveis. Os erros consequentemente traduzem-se no modo como vivemos a nossa vida e como trabalhamos. Fazem parte de nós.
As ilusões visuais também servem aqui de exemplo. Tal como não conseguimos evitar sermos enganados por elas, também cedemos às «decisões ilusórias» que a mente nos oferece.
A questão é que os nossos ambientes visuais e de decisão são uma filtragem de cortesia dos nosso olhos, ouvidos, olfacto, tacto e, o grande mestre, o nosso cérebro. Quando falamos de compreender e digerir a informação recebida, não é forçoso que ela traduza fielmente a realidade. Será mais uma representação desta e é essa a informação que que nos baseamos para decidir seja o que for. Em essência, estamos limitados aos instrumentos com que a natureza nos dotou e o modo natural como decidimos é limitado pela qualidade e precisão desses instrumentos.,
Um segunda premissa importante é que, apesar da irracionalidade ser um lugar comum, isso não implica necessariamente que sejamos indefesos. Depois de entendermos como e quando tomamos decisões erróneas, podemos tentar ser mais vigilantes, forçar-nos a pensar nelas de maneira diferente ou utilizar a tecnologia para ultrapassar as nossas falhas. Também aqui os empresários e legisladores podiam rever os seus raciocínios e reconsiderar os seus modelos de acção, de modo a proporcionar almoços de borla.”
Um livro imperdível que exige um estudo e uma reflexão mais profunda, para que no futuro possamos todos melhorar as nossas decisões particulares enquanto consumidores e, também profissionais, enquanto líderes de organizações.

“Capitalism is dead; long live capitalism.”

No dia 19 de Maio, o Financial Times publicou um artigo de Martin Wolf intitulado “This crisis is a moment, but is it a defining one”?

Nesse artigo, Martin Wolf referiu que a actual crise já revelou até ao momento cinco aspectos importantes, a saber:
- Em primeiro lugar que, quando os Estados Unidos têm problemas económicos graves, estes acabam por se repercutir ao resto do mundo;
- Em segundo lugar, que a crise que vivemos é a mais grave crise económica desde os anos 30 do século passado;
-Em terceiro lugar, que a crise é global, com um impacto particularmente grave em países que se especializaram na exportação de produtos manufacturados, ou que se basearam em importações líquidas de capital;
-Em quarto, que não há memória de se terem lançado antes pacotes de estímulos tão agressivos por parte dos países, para enfrentarem a crise;
-Em quinto e por último, que esse esforço financeiro, está a surtir algum sucesso, devolvendo alguma confiança aos mercados e que, por essa via terá já conseguido atenuar a queda assentuada do abrandamento económico, que se vinha a registar.
Outras certezas resultam do pensamento de Martin Wolf:
“Os USA irá liderar a recuperação económica, sendo que este país é actualmente o mais “Keynesiano do mundo.”
“É plausível que a China, ao ter lançado o seu gigante pacote de estímulos, venha a tornar-se na melhor sucedida economia do mundo”.

No entanto, para o cronista, há pelo menos um grupo de três grandes questões que ainda são desconhecidas:
-Em primeiro lugar, até onde poderão ir os excepcionais níveis de endividamento e a queda de valor líquido afectar o aumento sustentado das poupanças das famílias, que até ao início da crise, tinham um elevado poder de compra?
-Em segundo lugar, por quanto tempo poderão manter-se os actuais défices orçamentais dos estados, sem que os mercados de capitais venham a exigir, uma compensação mais elevadas para o risco?
-Terceiro e último, a partir das suas políticas convencionais, como poderão os bancos centrais definir uma estratégia não inflacionista quando a pressão inflacionista começar a verificar-se?

Que implicações terá a crise para o mapa geoestratégico global?
Ao contrário do que acontece na maioria dos países emergentes que acumulam enormes reservas em moeda estrangeira, no ocidente, os estados estão cada vez mais endividados.
“Rácios de dívida pública para o produto interno bruto parecem vir a duplicar em muitos países desenvolvidos”. “O esforço de consolidação das finanças públicas irá dominar a política orçamental nos próximos anos, talvez décadas. O Estado está de volta, mais interventivo do que gastador.” Segundo o cronista do FT, teremos que esperar pelos proximos anos, para ver como é que o mundo irá lidar com estas questões.

Para já, Martin Wolf considera conhecerem-se à partida, três premissas importantes:
-A primeira é que o ocidente, apesar de tudo tem sabido gerir um sofisticado sistema financeiro, isto apesar dos USA quase terem deitado tudo a perder. Não fora o novo presidente Barak Obama, com uma intervenção moderadora e atenuadora e a reputação americana teria saido ainda mais manchada com os escândalos financeiros que desencadearam a crise.
-A segunda é que os países emergentes, principalmente a China, começa a ocupar um papel central no palco da política mundial.
-A terceiro é que estão a ser feitos esforços para a renovação de organizações mundiais, designadamente através do aumento dos recursos do FMI, conforme estabelecido pelo G20.

Como é que estas premissas irão conjugar-se e influenciar o futuro, ainda será um pouco cedo para se tirarem conclusões, designadamente para perceber se irão verificar-se algumas mudanças radicais na política mundial:
"É provável que a USA continue a sua indispensável liderança na retoma e que a relação entre este país e a China, ir-se-á tornar mais central, com a Índia a vir logo em segundo plano. É também previsível que os dois gigantes asiáticos subam de peso na esfera de influência económica e estratégica mundial. Por outro lado, ao contrário do que se estava à espera no início desta crise, a Europa não tem sido feliz a enfrentá-la. A sua economia e sistema financeiro, revelaram-se muito mais vulneráveis do que se previa."
Verificar-se-á por essa razão uma perda do peso da velha Europa no mapa geoestratégico mundial? É provável que sim.

Quais vão ser as principais consequências de fundo?
“Meu palpite é que esta crise acelerou algumas tendências e revelou outras, especialmente a insustentabilidade do crédito e do endividamento. Muitas delas, têm manchado a reputação do sistema económico, deixando ao mundo um legado amargo”, afirmou Martin Wolf.
Martin Wolf, apesar de tudo, afirma ter a certeza que o mercado financeiro irá recuperar da crise nos próximos anos e que o capitalismo irá sobreviver. “Capitalism is dead; long live capitalism.”
Para bem do futuro da humanidade, esperemos que o sistema se reinvente a si próprio para que, o novo capitalismo venha despido dos erros do passado de modo a impedir que a ganância de alguns, não volte a colocar em causa o futuro colectivo.
Serrone

domingo, 17 de maio de 2009

Será que percebi? Não, nem por isso, mas vou explicar na mesma...


O governo português divulgou esta semana, o cenário macroeconómico para 2009. Depois das previsões enunciadas pelo Banco de Portugal e do FMI, Teixeira dos Santos, sem nos surpreender por isso, mostrou-se mais optimistas que aquelas instituições.

Há razões para o ministro estar mais optimista que o Banco de Portugal e que o FMI? Porquê esta reincidência do governo em atenuar os cenários negativos?

Todos sabemos que na base da estratégia do governo, ao divulgar índices macroeconómicos mais altos que o Banco de Portugal e o FMI, objectivamente encontram-se razões de natureza política: Aproxima-se um calendário eleitoral exigente, com três eleições sucessivas e o partido do governo tem como objectivo sair vencedor em toda a linha. Divulgar os índices macroeconómicos mais baixos dos últimos trinta e cinco anos, ainda que supostamente justificados pela ocorrência da maior “crise económica e financeira global das nossas vidas”, compreensivelmente não se deve constituir, por si só, uma tarefa agradável para o ministro.
Mas a explicação dada por Teixeira dos Santos, é que os números divulgados pelo governo são diferentes porque beneficiam de informações mais actualizadas, dando como exemplos destas, algumas elações, decorrentes de afirmações proferidas pelos responsáveis do BCE e da FED, de que existem sinais indiciadores da aproximação do ponto de viragem da crise económica mundial.

Haverá sinais de retoma na economia mundial, como afirmam os presidentes do FED e do BCE?

Alguns analistas confirmam que o declínio económico dá sinais de abrandamento e asseguram que grande parte do sistema finaneiro estará a sobreviver à crise. No entanto, consideram prematuro e ainda sem sustentabilidade credível, antecipar previsões sobre o ponto de viragem. Percebe-se que a acção concertada dos presidentes do BCE e do FED, tiveram como objectivo claro e também compreensível, fornecer ao mercado expectativas positivas, para que se criem as condições necessárias à restituição da confiança.
Uma das tarefas que cabe aos bancos centrais é promover a confiança e o aumento da produtividade em tempo de crise. Como? Convencendo os agentes económicos a inverter a espiral descendente: À medida que os consumidores preocupados com o futuro vão decidindo poupar mais dinheiro e gastar menos, as empresas reduzem o investimento, produzem menos e vão despedindo trabalhadores. O desemprego crescente deprime o rendimento, o que faz diminuir ainda mais a procura, continuando assim a espiral descendente. Há por isso a necessidade imperiosa de contrariar esta tendência, de modo a invertê-la.
No caso de Portugal, a espiral não será invertida nem com números dados por Teixeira dos Santos, nem com expectativas vindas do Banco Central Europeu. Portugal é uma economia aberta, com uma dependência externa crescente e com problemas estruturais profundos, sendo que o governo, na actual conjuntura internacional e no contexto da UE, não dispõe nem de recursos, nem de mecanismos suficientes para agir.
Para sermos justos, temos que reconhecer a impotência instrumental do governo actuar com eficácia junto da economia: Para além de dar apoios sociais às vítimas da crise (os desempregados) e manter algum investimento público, procurando manter sustentáveis os principais índices macroeconómicos, pouco mais poderá fazer, sem que, antes se verifique, a recuperação económica do resto do mundo, do qual dependemos.
Um dia, quando finalmente se verificarem as condições vindas do exterior, para o início da recuperação económica do nosso país, será extraordinariamente relevante o estado em que estiverem não só as finanças públicas da nação, mas também a credibilidade externa da economia portuguesa. Por isso a minha preocupação aumenta face ao crescente agravamento do cenário macroeconómico dos últimos meses e à possibilidade deste se acentuar, devido a eventuais pressões eleitoralistas dos próximos tempos.

Cenário Macro para 2009 divulgados pelo governo
-PIB: -3,4% em 2009, contra 0% em 2008. Sendo que -1,4% do consumo, -14,1 do investimento, -11,8% das exportações e -11,1% das importações.
- Défice orçamental: 5,9% do PIB previstos para 2009 contra 2,6% do PIB em 2008;
-Dívida pública: 74,6% do PIB em 2009, contra 66,2% do PIB em 2008;
-Desemprego: cerca de 9% em 2009, contra cerca de 7,6% em 2009;
-Inflação: 0,1% em 2009, contra 2,6% em 2008.
Serrone

domingo, 26 de abril de 2009

Quanto tempo vai durar a crise económica e financeira global?

"Esta não é uma qualquer crise, esta é maior crise das nossas vidas”. Há quem esteja a fazer prognósticos baseados em modelos comparativos do comportamento das crises passadas. Esses vão falhar redondamente nas suas previsões. A severidade desta crise está no facto dela estar sincronizada em termos mundiais e envolver a conjugação de várias espirais negativas: A acentuada queda do valor de activos sobrevalorizados insustentavelmente no passado, afectando directamente a riqueza das empresas e das famílias. A falta de confiança generalizada afectando directamente o consumo de bens e serviços. A diminuição drástica do investimento resultante da diminuição da procura interna e externa. O inevitável aumento do desemprego e de problemas sociais. A existência de produtos tóxicos disseminados no sistema financeiro mundial. Se a tudo isto somarmos a acentuada contracção do crédito e os défices elevados das principais economias ocidentais, percebemos que não há nenhum factor positivo, capaz de puxar pela economia.
Tecnicamente a crise global só terminará quando as principais economias deixarem de estar em recessão e começarem a crescer de novo. Começando a responder à pergunta, garanto-vos que ninguém no planeta está em condições de poder adiantar prognósticos credíveis sobre o fim da crise, embora esta, supostamente, não vá durar para sempre.
Dominique Strauss- Khan, director geral do FMI, afirmou que “A recessão da economia mundial vai ser profunda e longa e a recuperação será lenta e fraca”. Olivier Blanchard, com as funções de economista-chefe do FMI, divulgou esta semana, projecções de perdas de crescimento da economia mundial para 2009, muito superiores às que haviam sido estimadas no final do ano passado. Recordo que para os Estados Unidos estava previsto uma queda no crescimento de 0,7%, actualizada agora para 3,8% e para a zona euro, previa-se uma contracção média de apenas 0,4%, hoje prevê-se que esta seja de 4,2%.
Barry Eichengreen, professor na Universidade da Califórnia, que está fazer um estudo comparativo desta crise com a Grande Depressão de 1929, afirma que a recessão actual é mais profunda, se for comparado no mesmo período de tempo. O que ele nos quer transmitir é que as quebras actuais no comércio internacional, na produção industrial mundial e nas mercados bolsistas mundiais, são muito mais acentuadas do que se verificou, no mesmo período de tempo decorrido, a quando da Grande Recessão.
Será que os sinais positivos vindos da América, poderão constituir-se com um sinal de esperança para eles e para os países da União Europeia?
(Parece reunir consensos entre os especialistas, o princípio que só irá haver retoma na União Europeia, alguns meses depois desta se ter verificado nos Estados Unidos).
Nos últimos dias, verificaram-se sinais de subida nos mercados de capitais, interpretados por alguns analistas, como sendo prenúncios de antecipação de um novo ciclo económico. Isto aliado ao facto dos bancos americanos, terem apresentado melhores resultados nos três primeiros meses deste ano e de se ter verificado um ligeiro aumento na compra de automóveis e na aquisição de casas, levou o Presidente da Reserva Federal norte-americana, Ben Bernanke, a afirmar: “ Recentemente temos visto alguns sinais de que o declínio agudo na actividade económica pode estar a abrandar”. Até Barak Obama, que é sempre muito cauteloso, afirmou “ existirem raios de esperança na economia”
Mas mais uma vez, infelizmente, a resposta que vou dar à pergunta inicial é negativa. Não são ainda sinais de esperança. Quanto muito, esta ligeira mudança dá-nos indicações que a crise não será para sempre. Nos Estados Unidos, embora a taxa de declínio económico, tenha abrandado nas últimas semanas, a meu ver, ainda não se pode afirmar que se trata de um início de recuperação. Existem problemas estruturais de enorme gravidade por resolver naquele país. Os bancos americanos estão inundados de activos tóxicos e, como já vos tenho dito, a crise nunca será vencida enquanto não for ultrapassada a insuficiente capitalização dos bancos, para que o crédito volte a fluir. Os números conhecidos do colapso financeiro desta crise, são piores do que os verificados na década de 30 do século XX. No relatório de Estabilidade Financeira Global do FMI, estima-se que o total de perdas no sector financeiro deverá ascender a 4,1 biliões de dólares (3,2 biliões de euros). Alguns analistas já comentaram este número dizendo que a próxima previsão poderá ser muito superior a esta.
As medidas que os diversos governos têm lançado, designadamente os estímulos macroeconómicos e a injecção de capitais públicos em bancos, estão muito longe de poder fazer face à precariedade do sistema financeiro. Poderá ser necessário muito tempo, até que o sistema financeiro global esteja devidamente saneado. O pior é que os elevados défices orçamentais, a dívida crescente dos Estados Unidos e dos países da zona euro e Inglaterra, não dão grande margem de manobra aos seus governos, para estes continuarem a intervir.
Segundo Martin Wolf, colunista do Financial Times, “a economia não pode regressar ao ponto de partida em que se encontrava antes da crise, por que ficou cabalmente provada a sua insustentabilidade”. Segundo este brilhante analista, “neste momento inicia-se um longo e penoso processo de reestruturação e desalavancagem”.
Vivemos por isso tempos de incerteza, sendo que a maior incerteza de todas é precisamente a data do fim da crise.
Serrone

domingo, 12 de abril de 2009

Escreveram esta semana


Joseph E. Stigliz, prémio Nobel da Economia, actual presidente da comissão de peritos da Organização das Nações Unidas (ONU), mencionou estar de acordo com muitas das iniciativas do G20, mas que uma crise global exigia medidas mais globais: “Infelizmente, cada país vai delinear pacotes de estímulo, com impacto essencialmente nacional e não global, medidos em função do orçamento de cada um e dos benefícios que o crescimento e o emprego possam vir a ter na sua economia. Ou seja, serão menos abrangentes e eficazes que o necessário.” Segundo Stigliz, impunha-se avançar com um pacote de estímulo coordenado globalmente.
Martin Wolf, escreveu esta semana no Financial Times que a última cimeira do G20 não irá contribuir para a retoma da economia sustentável. Na sua óptica foram apenas alcançados dois objectivos: um deles prende-se com o diálogo conseguido entre as potências que é positivo para minimizar a ocorrência de guerras e o segundo, com a disponibilidade de recursos ao Fundo Monetário Internacional que, se forem efectivamente disponibilizados, talvez possam vir a ajudar a sobreviver as economias emergentes mais afectadas pela crise.
Wolfgang Munchau, Editor Associado do Financial Times, no dia 5 de Abril afirmou que a cimeira de Londres não conseguiu aquilo que se propunha e que nenhuma das suas resoluções aproximará o mundo um passo que seja da solução económica global. “Os líderes mundiais mostraram-se mais interessados em evitar crises futuras do que resolver a crise actual.”
Esta semana, estes três brilhantes economistas vieram confirmar as opiniões que formulei na crónica anterior, logo após o término da cimeira do G20. Não sendo eu economista, não posso deixar de me congratular por esse facto.
Sem pretensiosismo e com a humildade que é preciso ter para opinar sobre questões tão complexas, deixo-vos um resumo de algumas das minhas ideias que desenvolvi nas últimas crónicas, de forma retrospectiva à data de 14 de Fevereiro, as quais considero relevantes para reflexão:
4 de Abril de 2009 – “Alguns Passos...”
Face à gravidade dos problemas financeiros, económicos, sociais e ambientais, com que o mundo se depara, algumas das medidas enunciadas (pelo G20), poderão em alguns casos revelar-se insuficientes, outras demorar demasiado tempo a ser implementadas e outras ainda só irão revelar-se positivas, na prevenção de crises futuras.
Devido à globalização das finanças, todas as acções junto do sistema bancário, devem ser coordenadas em conjunto por todos os países e, não isoladas como têm sido feitas até agora. Não tendo sido desenhado um plano conjunto, iremos continuar a assistir ao desperdício de recursos e à falta de eficácia dos planos.
O G20 decidiu criar um fundo de crédito às exportações, para tentar travar a queda do comércio mundial, o qual será colocado à disponibilidade das empresas exportadoras dos países emergentes. Trata-se de uma excelente medida, que irá beneficiar particularmente aqueles países, mas de efeito reduzido no crescimento à escala global.
Nesta cimeira, foram dados passos importantes na direcção certa, mas muitos mais irão ser ainda necessários, sendo que as maiores economias do mundo, vão precisar ainda de muito tempo, para concretizar o inevitável ajustamento económico e financeiro que lhes permitirá retomar de novo, o crescimento, desta vez sustentado.
29 de Março de 2009 – “A China não cresce sem a globalização”
A China desenvolveu a sua economia ajustando-se ao modelo da globalização, por isso duvido que este país volte a crescer significativamente, sem antes se verificar também a retoma da procura dos seus excedentes por parte dos mercados internacionais. Seguindo o exemplo de diversos países, a China lançou pacotes de estímulos internos para enfrentar a crise e tal como se tem passado nos outros estados, as medidas daí resultantes têm sido praticamente orientadas para a produção e consumo interno de bens, produtos e serviços, portanto com fraca projecção no mercado externo. Como se sabe, estes estímulos têm como objectivo principal a manutenção do emprego de modo a evitar o crescimento de problemas sociais. São medidas tomadas para atenuar os efeitos e as causas resultante da "passagem" da crise e não, como alguns possam pensar, medidas encontradas para a solução dos problemas e a viabilização da recuperação económica internacional. Essa recuperação económica está longe de acontecer e a China, provavelmente, sendo um dos países com maior capacidade para conseguir sair da crise, irá sentir-se condicionada nos próximos anos, mais por factores de natureza externa do que interna.
25 de Março – “Sinais da América”
Obama sabe perfeitamente que a actual situação de crise profunda que o mundo assiste foi causada pela teoria dos Mercados Eficientes e a doutrina fundamental do laissez –faire que a acompanha, adoptada pela América e copiada pelo mundo após a Segunda Guerra Mundial. Não será pois de estranhar que Obama comece a dar ao estado um papel de maior intervenção, muito ao estilo das teorias propostas por Keynes.
28 de Fevereiro de 2009 – “Andava por ai muito dinheiro falado, mas pouco dinheiro contado”.
As medidas que os governos dos diversos estados estão a desenvolver para enfrentar a crise, não são mais do que tentativas desesperadas para prolongar o modelo económico, mais uma vez à custa do aumento brutal dos défices, ou seja da dívida.
Não é possível manter indefinidamente o crescimento contínuo. O modelo económico estrutural e conjuntural em que vivemos nas últimas décadas, está a esgotar-se.
Os líderes mundiais têm que perceber que as suas políticas não mais poderão desprezar os problemas ambientais e os problemas sociais. Nas próximas décadas, estes são os problemas que têm que ser tomados como prioritários pelos governos e pelas instituições mais poderosas. A economia ter-se-á de adaptar a estas novas realidades, reinventando-se a si própria, criando modelos ajustados às necessidades ambientais e sociais e não só, como até aqui, exclusivamente à criação de riqueza desigual e assimétrica.
14 de Fevereiro de 2009 – “Crise de Valores e de Ética / Crise de Confiança
Os esforços que os governos de muitos países estão a desenvolver isoladamente, ao injectarem capital em montantes avultados nas economias, sem previamente terem preparado e implementado uma estratégia comum à escala global, cujo objectivo seria restituir a credibilidade e a confiança aos mercados, infelizmente para todos nós, irão ficar longe de obterem o sucesso pretendido.

Serrone

sábado, 4 de abril de 2009

Alguns passos...

A cimeira do G20 em Londres foi um acontecimento marcante sob o ponto de vista político, mas cujo plano enunciado pode vir a revelar-se aquém das exigências com que se defrontam actualmente as economias e as finanças.

Os líderes das maiores potências apresentaram-se ao mundo com ideias convergentes em relação à natureza e à gravidade da crise e com a consciência que a sua resolução futura nunca poderá ter sucesso sem a colaboração e o envolvimento de todos. Embora reconheça que da cimeira resultaram acordos positivos, penso que poderá ser ainda muito cedo para tirar conclusões quanto à sua eficácia e para se começar já a projectar datas de fim da crise e a retoma do crescimento económico.
Face à gravidade dos problemas financeiros, económicos, sociais e ambientais, com que o mundo se depara, algumas das medidas enunciadas, poderão em alguns casos revelar-se insuficientes, outras demorar demasiado tempo a ser implementadas e outras ainda só irão revelar-se positivas, na prevenção de crises futuras.
Concretizando, começo pelo cerne e origem da crise: a situação do sector financeiro mundial. Não saiu da cimeira um plano à escala global capaz de gerar no curto prazo a restauração da transparência e confiança no sector financeiro. As intenções manifestadas em combater os paraísos fiscais e reforçar os mecanismos de regulação dos “hedge funds”, são medidas importantes, tendo em vista a credibilização futura do sector, mas insuficientes para que se possa falar numa nova arquitectura financeira mundial, como já li escrito em algumas jornais internacionais. Para além do mais, a sua implementação irá demorar algum tempo e só terá resultados no médio prazo, pois será ainda necessário, conceber, planear e executar um plano. Não foi planeada uma acção concertada, como se exigia, para combater os activos tóxicos que afectam o sistema bancário mundial. Não saiu da cimeira uma solução capaz de tirar da paralisia o sistema de crédito global, para que o crédito volte a fluir e a apoiar as empresas que dele precisam para continuarem a criar riqueza e emprego. Devido à globalização das finanças, todas as acções junto do sistema bancário, devem ser coordenadas em conjunto por todos os países e, não isoladas como têm sido feitas até agora. Não tendo sido desenhado um plano conjunto, iremos continuar a assistir ao desperdício de recursos e à falta de eficácia dos planos.
Um bilião de dólares prometido para combater a crise, aparentemente, é muito dinheiro, mas na realidade é menos de 1% do PIB mundial. Muitos analistas económicos já afirmaram que se trata de uma verba insuficiente para contrariar a queda da economia mundial, prevista para este ano, de 2,7 pontos percentuias.
O G20 decidiu criar um fundo de crédito às exportações, para tentar travar a queda do comércio mundial, o qual será colocado à disponibilidade das empresas exportadoras dos países emergentes. Trata-se de uma excelente medida, que irá beneficiar particularmente aqueles países, mas de efeito reduzido no crescimento à escala global. A questão fulcral é que a retoma económica mundial, precisa de ser alavancada pela procura externa dos grandes mercados consumidores. Os Estados Unidos, com problemas estruturais internos profundos e com o desemprego a aumentar descontroladamente, não está em condições de ser o motor de arranque, aliás, como foi afirmado na cimeira pelo seu próprio presidente. A China, pelas razões que enunciei na minha crónica anterior, também não está nessa posição. A União Europeia, conjuntamente com os países emergentes, vivem dificuldades idênticas. A quebra abrupta da produção motivada pela diminuição acentuada da procura e o agravamento dos problemas sociais, canalizam grande parte do esforço financeiro dos respectivos países. A verdade é que não há nenhum país ou região, actualmente em condições de ter o papel de "motor de arranque" da economia mundial.
Nesta cimeira, foram dados passos importantes na direcção certa, mas muitos mais irão ser ainda necessários, sendo que as maiores economias do mundo, vão precisar ainda de muito tempo, para concretizar o inevitável ajustamento económico e financeiro que lhes permitirá retomar de novo, o crescimento, desta vez sustentado. Começo a acreditar.
Serrone

domingo, 29 de março de 2009

A China não Cresce sem a Globalização


Com 1,3 mil milhões de habitantes, a China é o maior país do mundo, é a economia que cresce mais depressa, é o maior produtor mundial industrial, é o segundo país em termos de consumo e o que têm a maior poupança.
Durante os últimos trinta anos, o PIB cresceu a taxas superiores a 9% ao ano, tirando da pobreza 400 milhões de pessoas. O rendimento médio por habitante aumentou quase sete vezes. Durante as três décadas a dimensão da economia duplicou em cada oito anos. Ante do início da actual crise internacional, a China exportava num só dia mais do que exportou no ano 1978, ano em que Deng Xiaoping iniciou o caminho da modernização. Na segunda metade desse mesmo período, só para os Estados Unidos, as exportações aumentaram 1600 por cento. A China tem o maior volume de depósitos bancários do mundo. As suas reservas de dívidas ascendem a 1,5 biliões de dólares, o que é três vezes mais do que os depósitos existentes em toda a União Europeia. A China entrou na globalização dos mercados, tornando-se um dos países mais abertos ao mundo. As exportações até meados de 2008, representavam um terço do seu PIB. Este país possui bastante mão-de-obra, mas por outro lado têm carência de matéria-prima e bens alimentares, pelo que não têm alternativa e recorre à sua importação, garantindo no entanto que a balança de transações lhe seja sempre favorável.
Nos últimos anos a China, juntamente com os Estados Unidos, formaram o par de países que mais contribui para o crescimento da economia internacional, razão pela qual, em tempo de crise profunda, torna-se imprescindível estarmos atentos ao que por lá se vai passando. As previsões económicas para 2009, estimam que o crescimento do gigante asiático se vá situar em 6,57 % segundo a FMI e em 8% do PIB segundo o governo. Este último valor, bem longe dos valores de crescimento do PIB dos últimos anos (na casa dos dois dígitos), é considerado pelo primeiro-ministro Wen Jiabao, o valor mínimo para garantir a paz social. Os dados recentemente conhecidos, indicam ainda que no mês de Janeiro de 2009, as exportações totais caíram 17,5%. Na realidade cem mil fábricas fecharam as portas e 20 milhões de desempregados, não tiveram outra alternativa do que deixar as cidades e regressar às zonas rurais de origem. O ritmo da produção industrial no final de Dezembro de 2008, era inferior três vezes ao ritmo de produção que se verificava no princípio desse ano. No caso da China, foi a quebra da procura externa que foi a causadora principal desse mega abrandamento. Dispondo de elevada liquidez, Wen Jiabao tenta agora contrariar a tendência recessiva lançando um pacote de estímulo económico de 586 mil milhões de dólares para os próximos dois anos. Destina-se essencialmente a ser gasto em infraestruturas e a criar formas de incentivo ao consumo, procurando-se com isso que o mercado interno possa substituir parte da quebra da procura do mercado externo, enquanto a crise internacional durar.
A China desenvolveu a sua economia ajustando-se ao modelo da globalização, por isso duvido que este país volte a crescer significativamente, sem antes se verificar também a retoma da procura dos seus excedentes por parte dos mercados internacionais. Seguindo o exemplo de diveros países, a China lançou pacotes de estímulos internos para enfrentar a crise e tal como se tem passado nos outros estados, as medidas daí resultantes têm sido praticamente orientadas para a produção e consumo interno de bens, produtos e serviços, portanto com fraca projecção no mercado externo. Como se sabe, estes estímulos têm como objectivo principal a manutenção do emprego de modo a evitar o crescimento de problemas sociais. São medidas tomadas para atenuar os efeitos e as causas resultante da "passagem" da crise e não, como alguns possam pensar, medidas encontradas para a solução dos problemas e a viabilização da recuperação económica internacional. Essa recuperação económica está longe de acontecer e a China, provavelmente, sendo um dos países com maior capacidade para conseguir sair da crise, irá sentir-se condicionada nos próximos anos, mais por factores de natureza externa do que interna.

Serrone

quarta-feira, 25 de março de 2009

SINAIS DA AMÉRICA

Muito provavelmente o dia 26 de Fevereiro de 2009 ficará marcado para a história dos Estados Unidos e do resto do mundo, como o dia em que as mudanças de que vos falei na última crónica, tiveram simbolicamente o seu início.

Impõem-se a seguinte pergunta: - O que aconteceu nesse dia que possa ser assim tão importante?
O presidente Obama discursou perante as duas câmaras do Congresso colocando a questão da maior igualdade social na agenda política. O que ele disse aos americanos é que “uma melhor redistribuição da riqueza é essencial para concertar uma economia doente”. Anunciou o recurso a politicas públicas para tornar acessível os cuidados de saúde e facilitar as condições de acesso à educação, a todos os americanos. Falou em aumentar os impostos sobre os mais ricos e propôs a utilização dos dinheiros dos contribuintes para fomentar o novo “paradigma da economia verde”. Afirmou ainda que era tempo da sociedade começar a olhar para o Estado de outra maneira, rejeitando a ideia que os problemas se resolveriam por si mesmos e que era preciso ter um governo com acções fortes e de grandes ideias. A determinada altura fez a seguinte pergunta ao Congresso: -“Os americanos estão preparados para esta viragem?”. Esta ideia forte de mudança que marcou o discurso de Obama, traduz-se numa maior sensibilidade para os valores sociais, ambientais e culturais e para a necessidade de aumentar o papel do Estado na construção dos alicerces de uma nova prosperidade comum.
O debate político está lançado nas elites americanas e o mundo assiste ansioso, à espera de novos valores para a globalização. Se Obama vencer a grandiosa batalha interna que tem pela frente, o mundo acabará por seguir o seu exemplo e a humanidade poderá voltar a sentir esperança num futuro mais próspero e menos assimétrico para todos.

Ideologias, teorias ou simplesmente ideias?
Apesar da insistência dos jornalistas, Obama não aceita responder directamente a perguntas feitas com o intuito de identificar qual é a sua filosofia política. Entendemos que não responda porque não quer com isso criar qualquer tipo de clivagens na sociedade americana. Ele sempre afirmou que pretende envolver toda a nação no processo de mudança e que quer fazer renascer no povo o espírito do sonho americano.
Mas nós podemos e devemos ir tentando encontrar algumas dessas respostas. Não é importante saber se as suas politicas são menos à direita e mais à esquerda ou se as suas ideias são mais identificadas com o socialismo ou com a social-democracia. O que é verdadeiramente relevante é perceber qual é o fio condutor dessas políticas e o impacto que elas poderão ter no futuro da América e do mundo.
Obama sabe perfeitamente que a actual situação de crise profunda que o mundo assiste foi causada pela teoria dos Mercados Eficientes e a doutrina fundamental do laissez –faire que a acompanha, adoptada pela América e copiada pelo mundo após a Segunda Guerra Mundial. Não será pois de estranhar que Obama comece a dar ao estado um papel de maior intervenção, muito ao estilo das teorias propostas por Keynes. Em que medida é que o vai fazer, ainda ninguém sabe ao certo. Por isso é ainda muito cedo para se tirarem mais conclusões. Temos que esperar pelas cenas dos próximos capítulos, sendo no entanto certo que a mudança já teve o seu início, marcada simbolicamente no dia 26 de Fevereiro de 2009.

Serrone, 25 de Março de 2009

sábado, 28 de fevereiro de 2009

“Andava por ai muito dinheiro falado, mas pouco dinheiro contado”.

Estamos a viver uma crise económico-financeira profunda ou o inicio de um processo de ajustamento económico-financeiro drástico, ao qual se irão combinar outras mudanças comportamentais decisivas, tendo em vista a sustentabilidade ambiental, social e económica do planeta, nesta e nas próximas gerações?
É incontestável que, após a segunda guerra mundial e até aos dias de hoje, apesar da ocorrência de crises económicas cíclicas, o mundo assistiu a um período de progresso económico e de criação de riqueza, impar na sua história. Os Estados Unidos da América lideraram o processo de crescimento mundial, através da imposição da sua moeda e do modelo de globalização, assente na economia de mercado. Porém, a partir de uma determinada altura esse crescimento passou a ser feito à custa do aumento crescente do défice externo americano, financiado pelas economias asiáticas. A reboque da maior potência mundial, as restantes economias, passaram também elas a ser sustentadas pela circulação de divida para aquisição de bens e de serviços, em vez de ser baseada na circulação de dinheiro como sempre fora até ai. Pode-se dizer que muitos estados, empresas e famílias foram assumindo riscos excessivos para as suas capacidades, usando e abusando do recurso ao endividamento. Por outro lado, os fundos disponibilizados pela actividade económica das empresas ou pela poupança de particulares, foram canalizados para fins não reprodutivos, tais como para activos financeiros de fácil e crescente sobrevalorização, criando uma bolha de riqueza artificial, sucessivamente acumulada ao longo dos anos.
Esta semana ouvi um velhote pronunciar, com acentuado sotaque regional, uma frase que sintetiza com sabedoria popular, o que acabei de escrever no parágrafo anterior: - “Andava por aí muito dinheiro falado, mas pouco dinheiro contado”. A actual crise em que o mundo se encontra era inevitável, pelo simples facto que era insustentável manter indefinidamente a ilusão do dinheiro de acesso fácil e devido a isso, aconteceu o que todos sabemos, o colapso da circulação da dívida.
Meus caros leitores, não será possível voltar a existir esperança e confiança no futuro, enquanto as dividas não forem liquidadas e, essa é uma tarefa árdua e muito prolongada que todos temos pela frente. Para se pagar as dividas, primeiro tem que se criar poupança. Esta por sua vez, implicará menos investimento, logo mais abrandamento económico e, desta sequência resultam as duas primeiras conclusões que vos quero transmitir: - Não é possível manter indefinidamente o crescimento contínuo. O modelo económico estrutural e conjuntural em que vivemos nas últimas décadas, está a esgotar-se.
As medidas que os governos dos diversos estados estão a desenvolver para enfrentar a crise, não são mais do que tentativas desesperadas para prolongar o modelo económico, mais uma vez à custa do aumento brutal dos défices, ou seja das dívida. Não vos quero transmitir uma visão apocalíptica, contudo não posso deixar de vos deixar a reflexão que a humanidade está estar perante um dos maiores desafios da sua história, porque estas medidas só irão continuar a dar a ilusão errada que é possível retomar o crescimento, o que só irá motivar o aumento da dimensão do boom final que, um dia, inevitavelmente, acabará por acontecer.
Não podemos evitar o período que se aproxima e que muitos analistas denominam de “Ajustamento Económico” e que eu prefiro denominar “Ajustamento Ambiental, Social e Económico”.
Os recursos do planeta não são ilimitados e o homem não tem feito a sua gestão sensata e equitativa, descurando simultaneamente a sua sustentabilidade. A queima de combustíveis fosseis necessária ao crescimento económico assente no modelo estrutural vigorante, têm afectado gravemente a camada de ozono que protege a atmosfera terrestre e isso vai implicar a curto prazo, efeitos irremediáveis ao planeta e provavelmente à forma como nele se vive. Os cientistas asseguram que o Oceano Árctico irá ficar sem gelo por volta dos anos 20 do século XXI e que o processo de degelo já é irreversível. A água potável é cada vez mais escassa e o ar mais poluído, em regiões do mundo onde há poucos anos seria impensável. Não obstante toda esta degradação do ecossistema, constata-se que mais de 40% da população mundial vive com menos de 2 US$ por dia. As crianças são as principais vítimas desta desigualdade lamentável e vergonhosa, morrendo diariamente com fome e doenças, aos milhares. Se fizermos uma avaliação da gestão que o homem tem feito do planeta, o saldo não poderia ser mais negativo. “Se o homem não controlar as suas acções neste planeta finito, será a natureza a controlar o homem”. Tem que se acabar com o saque injusto e insustentável dos recursos. Tem que se encontrar, desenvolver e aplicar novas soluções energéticas alternativas. Os líderes mundiais têm que perceber que as suas políticas não mais poderão desprezar os problemas ambientais e os problemas sociais. Nas próximas décadas, estes são os problemas que têm que ser tomados como prioritários pelos governos e pelas instituições mais poderosas. A economia ter-se-á de adaptar a estas novas realidades, reinventando-se a si própria, criando modelos ajustados às necessidades ambientais e sociais e não só, como até aqui. exclusivamente à criação de riqueza desigual e assimétrica. A falta de ética, a ganância, o egoísmo não poderá existir num mundo renovado e ter-se-á que desenvolver uma consciência colectiva sustentada, focada no bem comum e na sobrevivência e bem-estar global dos seres vivos.
Isto implicará obviamente, uma mudança radical de pensamentos, de consciências e de atitudes de toda a humanidade, principalmente de todos aqueles que, como nós, têm vivido no mundo ocidental e que, por isso mesmo, têm sido privilegiados relativamente a outros povos. Os primeiros, serão também os que certamente irão ter mais dificuldades em adaptar-se aos novos tempos que se avizinham. Mas será preferível e imprescindível fazer essa mudança, quando mais depressa melhor, porque a alternativa que nos é oferecida, poderá ser bem mais catastrófica para todos nós.
Serrone

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Crise de Valores e de Ética / Crise de Confiança


Não tenho dúvidas em afirmar que a crise de confiança teve origem e continua a sustentar-se na crise de valores e na crise de ética que se instalaram nas sociedades modernas. Estas últimas por sua vez, estiveram na génese da actual crise financeira e económica mundial e muito tem contribuído para o seu agravamento.

O estudo anual dos níveis de confiança nas marcas e na credibilidade das profissões, feito pelas Selecções do Reader´s Digest, entre Setembro e Novembro de 2008, junto de 900 portugueses, veio confirmar a percepção que todos nós já tínhamos. Uma das conclusões do estudo revela que a classe política é aquela em que os portugueses menos confiam (apenas 1% dos inquiridos revelou confiar nos políticos). Comparativamente com as conclusões de igual estudo feito há cinco anos, verificou-se uma queda de 75% de credibilidade dos políticos. A banca e os gestores das empresas também viram substancialmente diminuida a confiança que os portugueses depositavam neles. As conclusões do estudo feito pela Reader´s Digest noutros 16 países da Europa, não foram muito diferentes do estudo feito em Portugal. Todos sabemos que o mundo está a viver uma das maiores crises de confiança de que há memória. No caso do nosso país em concreto, os cidadãos estão a perder cada vez mais a confiança nas instituições democráticas, pedras basilares da existência e funcionamento normal do estado de direito.
A que se deve a crise de confiança de que vos falo? Terá a crise de confiança generalizada contribuído para o aprofundamento da crise económica/financeira a que assistimos?
Não tenho dúvidas em afirmar que a crise de confiança teve origem e continua a sustenta-se na crise de valores e na crise de ética que se instalaram nas sociedades modernas. Estas últimas por sua vez, estiveram na génese da actual crise financeira e económica mundial e muito tem contribuído para o seu agravamento.
Os esforços que os governos de muitos países estão a desenvolver isoladamente, ao injectarem capital em montantes avultados nas economias, sem previamente terem preparado e implementado uma estratégia comum à escala global, cujo objectivo seria restituir a credibilidade e a confiança aos mercados, infelizmente para todos nós, irão ficar longe de obterem o sucesso pretendido.
Já todos perceberam o que esteve mal no passado, o que continua a estar e a necessitar de correcção. Nem mesmo os neo-liberais devem acreditar que os mercados um dia possam voltar a ser deixados à sua sorte. Precisamos de mercados globais a funcionar em bases formais mais fortes, mais consensuais, regulados por uma única e nova entidade reguladora, suportada em redes de segurança espalhadas pelo mundo. As entidades reguladoras existentes falharam e continuam a falhar e nessas ninguém jamais irá acreditar, pelo que, o melhor será eliminá-las quanto antes.
Não será possível devolver a confiança aos cidadãos de todo o mundo e particularizando, aos nossos concidadãos, se estes continuarem a assistir aos erros cometidos no passado recente. O supervidor da banca portuguesa, o Banco de Portugal não poderá confiar demais e ficar satisfeito com meias respostas como foi afirmado esta semana por um ex-director de operações do BPN. Depos do que temos assistido no caso BPN e BPP, quem poderá estar descansado sabendo que os responsáveis do supervisor continuam a ser os mesmos?
Os portugueses têm que ser mais exigentes consigo próprios, com todos os decisores e com as instituições e não aceitarem a desculpabilização, porque só assim, talvez um dia possamos ganhar a confiança que nos permitirá viver um futuro melhor para nós e para os nossos filhos.

Serrone

sábado, 17 de janeiro de 2009

A Nação e a Crise


O que o Governo prevê hoje, amanhã será diferente…

Há pouco mais de uma semana, quando Vítor Constâncio anunciava o que todos já sabiam, que Portugal estava em recessão económica, o ministro das Finanças Teixeira dos Santos mostrava-se convicto que o défice das contas públicas não iria ultrapassar os 3% em 2009. Uma semana depois, o mesmo ministro evoluía o seu discurso para dizer que seria impossível garantir que o défice ficaria nos 3%.
O Orçamento de Estado para o ano de 2009, aprovado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro de 2008, previa um défice de 2,2 % (igual ao verificado em 2008). Para além disso, fazia uma revisão em baixa do crescimento bruto para - 0,6% do PIB, previa um abrandamento das exportações em -1,2% e estabelecia valores do desemprego de 7,6%.
Ontem o governo, em Conselho de Ministros extraordinário, aprovou o PEC, revendo em baixa todas as previsões para este ano, alinhando a contracção do PIB com o Banco de Portugal para 0,8%, colocando o défice em 3,9%, o abrandamento das exportações em 3,6% e fazendo a revisão em baixa do desemprego para 8,5%.
Analisando as diferenças de valores dos mesmos indicadores e os prazos em que estes se operaram, quase somos levados a pensar que as previsões feitas hoje, têm que ser reajustadas amanhã, ou seja que não valem muito. Será que tem que ser mesmo assim? Ou seja, existirão assim tantas mudanças na conjuntura internacional que obrigue o Governo a mudar constantemente os indicadores económicos?
É claro que a resposta é não. Não há justificação técnica, no que se refere aos efeitos da crise internacional na economia portuguesa, que justifiquem estas constantes alterações, pelo menos em tão curto espaço de tempo. As motivações são de natureza política e as razões são em grande parte devido a problemas estruturais internos. Por muito que o Governo nos queira desviar a atenção para outros lados, nós sabemos que o executivo é o principal responsável pelas alterações com a cumplicidade do Banco de Portugal e que a crise económica internacional não é a única culpada para a situação em que o país se encontra.
Vou abrir um primeiro parênteses, para vos esclarecer que não estou aqui a fazer campanha contra este ou outro qualquer governo anterior e a tomar partido ou a colocar-me ao lado da oposição, seja ela qual for. Longe de mim que, por Graça de Deus e por vontade própria, me mantenho afastado de influências partidárias. Limito-me a analisar factos e a emitir a minha opinião na qualidade de cidadão português, que tenta acima de tudo estar bem informado para não ser enganado.
As alterações de que vos estava a falar, na minha modesta opinião, não vão ficar por aqui. Vamos assistir em 2009 a uma vergonhosa sucessão de revisões em baixa das previsões económicas para este ano, tendo por bode expiatório a crise financeira e económica internacional.
O PEC aprovado ontem, assenta ele próprio em bases irrealistas e o governo sabe muito bem disso. O próprio Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, afirmou que a previsão de quebra de 0,8% do PIB, tinha apenas uma probabilidade de 60% de se verificar.
Mas a quebra de 0,8% do PIB é ela própria uma miragem, ou então não estaríamos a enfrentar a maior crise das nossas vidas. Repare-se no seguinte: Nos últimos trinta anos as diversas crises que ocorreram apresentaram as seguintes quedas do PIB -0,8% (2003), -1,9%, -2,0% e -4,3%. Vítor Constâncio igualou a quebra do PIB para 2009, ao valor mais baixo que se verificou nos últimos trinta anos em tempo de crise e o Governo alinhou.
Penso que sobre este assunto, por agora, mais não será preciso referir. Prometo continuar atento ao longo do ano para vos ir chamando a atenção para a esperada concretização das revisões em baixa dos indicadores económicos fornecidos agora pelo Governo.


As reformas do Estado não foram suficientes ….

Não poderia deixar passar esta semana, sem vos falar sobre as previsões para Portugal, feitas pela agência de Rating Standard & Poor´s (S&P). No relatório que a S&P (uma das três maiores agência de notação de crédito privada do mundo) publicou esta semana, colocou o ´ rating ´ de Portugal (1) sob vigilância negativa, justificando a decisão pelo facto do “plano anti-crise do governo levar ao aumento da despesa pública, o que conjugado com a previsão de contracção do crescimento da economia de 1,5%, poderá levar o défice orçamental a valores na ordem dos 4,6%” (3). Acrescenta ainda o relatório que, Portugal irá enfrentar “ desafios cada vez mais difíceis ao tentar impulsionar a competitividade e o fraco crescimento persistente devido ao elevado peso da dívida e aos grandes desequilíbrios”. Também que “o rimo da consolidação orçamental já começou a abrandar e que o ritmo da reforma do Estado, essencial para conter a despesa, já demonstrou ser menos bem sucedido que o esperado”.
Por outro lado, a OCDE fez saber esta semana aos seus Estados membros que, apesar da crise financeira e económica, a sustentabilidade orçamental deve manter-se, como uma prioridade para os países da área euro. O relatório económico para a zona Euro, coloca Portugal como um dos países mais expostos à actual crise. Uma das razões apontadas é seu elevado grau de endividamento público, sendo que 15% deste, tem menos de um ano.
Abro um segundo parênteses para referir o seguinte: Se vier a confirmar-se, como tudo indica, que a agência de ´ rating ´ desça a nota a Portugal (2), o nosso país vai pagar um preço muito mais alto pelo dinheiro, complicando ainda mais a gravidade da situação económica/financeira do país. (Vou retornar a este tema especifico numa das próximas crónicas, mas não posso deixar de vos informar desde já que, só a ameaça de descida da nota no curto prazo, foi o suficiente para que as taxas de juro a que o mercado está disposto a emprestar dinheiro ao Estado português, tivessem subido ontem para o valor mais alto desde que existe o euro. É claro que esta situação irá repercutir-se a curto prazo aos bancos, às empresas e às famílias).
Perante o cenário traçado pela S&P e face às recomendações da OCDE, parece reforçar-se a ideia que, no actual quadro de crise profunda e prolongada, o investimento público deve ser cirurgicamente seleccionado de modo a que possa produzir-se os seus efeitos no curto e médio prazo. Nesse aspecto enquadra-se o pacote de estímulos anunciado pelo governo para fazer face à crise. O mesmo já não se pode dizer dos grandes investimentos, como o TGV, conforme tive oportunidade de escrever a semana passada e de outros investimentos que eventualmente o Governo se veja tentado a lançar na ânsia de evitar uma travagem maior na actividade económica, salvar empresas e evitar mais desemprego. É que se o endividamento excessivo e a falta de produtividade são as nossas maiores fragilidades e se esta não é a melhor altura para combatê-los, porque isso só agravaria a recessão, também não é menos certo que esta também não é a melhor altura para agravar mais ainda estes indicadores.
Mas a conclusão mais importante a tirar do relatório da S&P, é que as reformas estruturais levadas a cabo pelo Governo foram insuficientes, pois não tiveram o impacto desejado. “Sem reformas, defendeu Frank Gill, analista chefe da S&P, Portugal vai continuar a ter que fazer face a vários desequilíbrios acumulados ao longo de anos, tais como défice externo superior a 10% do PIB que mais tarde ou mais cedo vai ter que ser corrigido”. Salientou ainda a “ falta de competitividade das empresas, que obrigaria a uma necessária redução dos salários reais” e a pouca diversificação das exportações, o que torna o país mais vulnerável face a uma redução da procura externa. Todos estes factores conjugados, segundo Frank Gill, vai fixar a taxa de crescimento do PIB abaixo de 1% nos próximos cinco ou mesmo dez anos.
A crise internacional expôs a fragilidade da nossa economia e a verdade é que, apesar de muita propaganda política feita, as reformas estruturais que foram pedidas com tanto sacrifico aos portugueses, não foram suficientes. Estes apertaram o sinto e a situação orçamental não chegou a ser sólida. Os programas de reformas lançados, não corrigiram os piores males da nossa economia. E agora? O que é que vai acontecer?
Segundo Gill, a subida do défice para valores próximos de 4 por cento, em 2009 e 2010 até nem será o mais grave. O mais grave será o que irá acontecer em 2012 ou 2013.
Lamento ter que vos voltar a dizer que, enquanto o país não estiver todo ele mobilizado para as reformas, para a melhoria da nossa competitividade externa e para melhoria significativa da produtividade; enquanto os nossos governantes e autarcas servirem em primeiro lugar os interesses partidários e tiverem como primeira prioridade ou a conquista do poder ou a sua manutenção; enquanto os sindicatos em vez de protegerem os associados servirem eles próprios os interesses de partidos e enquanto todos eles andarem à procura de protagonismo, esquecendo-se que em primeiro lugar deveria estar o cumprimento do serviço público a que se obrigaram quando ocuparam os lugares, nunca iremos saber o que nos irá acontecer no futuro e vislumbramos sempre que nada será de muito bom, sendo também que, todos os que nos estão a observar de fora, irão sempre fazer as piores previsões para o desenvolvimento de Portugal e a colocar-nos sempre nos últimos lugares de qualquer ranking económico.

1) – O rating de um estado é uma avaliação do risco de emprestar dinheiro a esse país, consoante a sua capacidade de pagar as suas dívidas no futuro. E atribuído às agências de notação de crédito privadas como a S&P o objectivo de informar todo o mercado sobre qual a avaliação que fazem desse risco que depende da saúde das finanças públicas do país e da expectativa de evolução das suas receitas e despesas.

(2) – As notas de avaliação do risco variam entre o máximo de risco de ´ AAA´ e um mínimo de risco de `D´.

(3) – Reparem na discrepância dos indicadores económicos fornecidos pela F&P e os que foram ontem indicados pelo Governo.
Serrone

domingo, 11 de janeiro de 2009

Pode ser feito investimento público sem o crescimento explosivo da dívida?


Na sua mensagem de ano novo, o Presidente da República afirmou que “o futuro será 2009 e os anos que a seguir vierem”. Numa conferência promovida pelo Diário Económico, o Primeiro-ministro Sócrates, citando Keynes, disse: - “No longo prazo estaremos todos mortos”, acrescentando ainda: -“Ninguém aqui está interessado em saber o que acontecerá daqui a dois anos. E a verdade... (continuou) é que há boas razões para essa atitude, porque o Cabo das Tormentas, o momento mais difícil vai ser justamente 2009”.
As frases proferidas por Cavaco e por Sócrates, não poderiam ser mais esclarecedoras quanto à visão que cada um tem sobre a forma e o momento de gastar os dinheiros públicos. Esta distinta maneira de olhar para as mesmas realidades, não resultam só das divergências de opinião pessoais, mas também são fruto das posições institucionais que cada um ocupa.
O Presidente da República ao sublinhar que é preciso falar verdade aos portugueses, defendendo que em ano de crise é necessária ponderar e agir com selectividade na utilização dos dinheiros públicos, adequar os custos aos benefícios, para que no final da crise Portugal não esteja pior do que quando nela entrou, está a dar um sinal ao governo para reflectir antes de se decidir pela realização de grandes obras que aumentam a dívida externa e que hipotecam as gerações futuras.
Por outro lado, o Primeiro-ministro, muito ao seu estilo, com elevada carga cénica/dramática, ao afirmar que “esta é uma crise que se vive uma vez na vida”, provavelmente estará a falar verdade, como pediu o presidente, mas a frase está carregada de intenção política. Em ano de eleições, Sócrates já definiu a sua estratégia eleitoral e como já se começou a perceber, o tema crise será usado e abusado para capitalizar eventuais vantagens políticas adicionais.
As grandes obras públicas, Alcochete, TGV e também a nova ponte sobre o Tejo, já estavam nos planos do Governo para serem lançados ainda este ano e nem a crise nem os recados do Presidente conseguiram ainda alterar a sua posição. O executivo de José Sócrates parece manter a vontade política de lançar estes projectos durante 2009, porque sabe que os custos provenientes destes investimentos serão marginais no orçamento deste ano e, sabe melhor ainda que o lançamento destas obras pode ter um impacto favorável na opinião pública em ano de eleições.
Mas é também preciso que os portugueses tenham conhcimento que os custos desses investimentos irão pesar dramaticamente na dívida externa Portuguesa nos próximos anos, ou seja, no valor dos impostos que cada um de nós vai ter que pagar no futuro, ou, na pior das hipóteses, que esses custos irão contribuir para a perda de património e soberania económica por transferência de empresas e bens para as mãos estrangeiras que nos estão a emprestar dinheiro.
Todos percebemos que essas grandes obras, não se irão desenvolver a tempo de poderem começar a contribuir para relançar a economia em 2009 e que, naturalmente, não fazem parte das medidas a implementar pelo governo para enfrentar a crise. São projectos estruturais para o país, planeados e executados numa geração e não projectos de ocasião. São obras importantes para a modernidade e competitividade de Portugal no médio e no longo prazo.
Não estou a colocar em causa a necessidade de realização desses investimentos, mas sim a afirmar que não é prudente o país avançar já este ano com todos estes projectos. Como já tantos economistas nacionais e internacionais afirmaram e o Primeiro-ministro repetiu, não estamos a viver uma crise qualquer, como as que vivemos no passado recente. Esta é uma crise internacional bastante grave que se abateu sobre o mundo e que atingiu Portugal num momento particularmente difícil. Ninguém poderá ter a certeza do tempo e da gravidade com que esta crise irá afectar a economia portuguesa. Parece haver alguma unanimidade em estimar que este e o próximo ano são anos de recessão particularmente difícies e não de retoma.
Por tudo isto, não seria mais prudente, o governo seguir os conselhos do Presidente, utilizando unicamente os escassos recursos públicos em investimentos que possam valorizar a competitividade da oferta nacional no curto prazo? Promover obras públicas mais pequenas que sustentadamente possam desenvolver a economia nacional, utilizando maioritariamente recursos nacionais? Fazer investimentos que promovam a redução da dependência energética do exterior?
Vítor Constâncio, na apresentação do Boletim Económico de Inverno, na terça-feira passada defendia isso mesmo, que, para combater a crise, deveria ser dada preferência “às despesas de investimento de imediata realização e rápido acabamento para não implicarem grandes despesas futuras”. Principio que o Governo parece também não estar a adoptar nas Parcerias Públicas – Privadas (PPP) para a concretização do Plano Ferro - Rodoviário Nacional e em outras PPP da Saúde. No entanto, não poderei deixar de reconhecer que os investimentos anunciados pelo governo para as escolas, para as energias renováveis e telecomunicações, são um pacote interessante de boas medidas para ajudar a fazer frente à crise.
Em suma, em tempo de grave crise internacional e simultaneamente de grave crise estrutural de Portugal, o que parece mais correcto em termos de opções para minimizar os seus efeitos e promover o máximo de estabilidade económica e social, será recorrer a mais investimento público com efeitos de curto prazo sem pôr em risco as contas das gerações futuras, criar incentivos ao investimento privado e às exportações, aplicar menos impostos sobre as empresas e dar mais apoios sociais.

Serrone, 11 de Janeiro de 2009

sábado, 10 de janeiro de 2009

E agora Barak Obama?


Martin Wolf escreveu esta semana no Financial Times que esta crise é a mais grave que alguma vez se abateu sobre os países desenvolvidos desde a II Guerra Mundial. Começa a crónica com esta frase “ Bem-vindos a 2009, ano em que será traçado o futuro da economia mundial, quiçá por várias gerações”.
Barak Obama disse recentemente numa entrevista “ Eu não acredito que seja tarde demais para mudar de rumo da política económica, mas será senão forem tomadas medidas dramáticas tão cedo quanto possível”.
São duas posições que convergem na ideia inquestionável, que estamos perante uma grave crise que exige medidas urgentes e profundas. Quanto à gravidade e à urgência das medidas, parece ninguém ter dúvidas quanto a isso. O acto político de o deixar acontecer sem nada fazer, já deu provas irrefutáveis das implicações globais nefastas que dai podem advir, basta recordar o que aconteceu após a falência do Lheman Brothers. O problema mais complicado que se coloca está no patamar das medidas propriamente ditas. Sejam elas quais forem, têm que ser as medidas certas no momento certo, pois parece não existirem recursos suficientes nem grande margem de manobra para se implementarem planos do tipo B.
Este vai ser o foco principal de atenção que a nova administração americana irá ter que enfrentar. Barak Obama está a preparar o seu programa de ataque à crise e quando no dia 20 deste mês tomar posse, o mundo irá começar a perceber se as medidas do líder americano irão ou não levar à retoma. Segundo o Wall Strett Journal o plano de recuperação económica que Obama vai propor custará aos cofres públicos cerca de 570.000 milhões de euros, valor só ultrapassado pelo custo da II Guerra Mundial ao erário norte-americano. É uma quantia enorme que irá fazer aumentar o défice das contas públicas americano para um valor monstruoso de 8%, mas que poderá não ser suficiente, opina Martin Wolf.
Para os mais incrédulos quanto à importância da economia americana para o desenvolvimento económico dos países mais desenvolvidos, quero apenas recordar que esta tem sido nas últimas décadas o motor da economia mundial e que, apesar de nos últimos anos estar a diminuir o seu peso, o seu PIB continua ainda cerca de ¼ do PIB do planeta. Já para não falar no facto do mundo estar a viver uma crise que na verdade começou na América. À partida, será impensável pensar numa retoma económica mundial deixando para trás os Estados Unidos.
No passado recente foi o consumo da América que ajudou o mundo a sair das crises e agora? Será possível que o mesmo volte a acontecer? Como é que as famílias americanas, a enfrentar a escalada de desemprego e elevado grau de endividamento, poderão fomentar não só a procura de bens e serviços nacionais, mas também aumentar a procura externa?
Será que o estímulo orçamental em grande escala que Barak Obama vai propor ao senado, basta para aumentar a produção para níveis capazes de conter a escalada do desemprego e por outro lado dinamizar a economia de modo a fazer crescer o nível de confiança das famílias e dos investidores? Será possível retomar a criação de riqueza sustentável que dê para as pessoas irem pagando as suas dividas e continuarem a consumir os excedentes nacionais e mundiais?
Face à força do pensamento deixado no último parágrafo da crónica de Martin Wolf, não posso deixar de o traduzir e de o transcrever para nossa reflexão:
“Sabemos mais no presente que sabíamos no passado. Os Estados Unidos têm hoje um presidente, Barack Obama, com um vasto capital político e uma administração – já a partir de 20 de Janeiro – disposta a fazer tudo o que estiver ao seu alcance. O problema é que os Estados Unidos não estão suficientemente fortes para se poderem salvar sozinhos e a economia mundial. Precisam de ajuda, principalmente a que possa vir de países com excedentes orçamentais. Os Estados Unidos e um pequeno grupo de países desenvolvidos não podem continuar a absorver os excedentes de bens e de poupança do resto do mundo. A crise em curso é a prova disso mesmo. O mundo mudou, logo, as políticas também têm de mudar e já.”

Serrone, 10 de Janeiro de 2009