sábado, 9 de abril de 2011


Escrevi no dia 4 de Janeiro de 2009 (Reedição)

Domingo, 4 de Janeiro de 2009
E agora Portugal?

Introdução

Conforme já devem ter notado, nunca particularizei a situação do nosso país nas crónicas que escrevi. Tenho dado preferência a análises e reflexões macroeconómicas de âmbito mais vasto, incluindo nestas a generalidade dos países ocidentais e por vezes também os países emergentes.
Hoje, sem ter planeado previamente, confesso, decide partilhar convosco algumas ideias, informações e reflexões sobre aspectos de natureza macroeconómica que afectam Portugal.

A situação económica portuguesa é extraordinariamente preocupante e vulnerável. O cenário macroeconómico é mesmo um dos mais negros dos países desenvolvidos, senão vejamos:

Níveis da Dívida Externa e défice permanente da Balança de Transacções Correntes demasiado elevados e com tendência para crescer, repercutem-se em riscos de crédito e de incumprimento por parte de empresas e famílias, revelam consumos inadequados, investimento amorfo e acima de tudo um comércio externo onde as exportações crescem menos do que as importações. Se juntarmos a tudo isto o facto das previsões mais optimistas de crescimento do PIB não ultrapassar os 0,5% para 2009, temos na verdade fardos demasiado pesados para enfrentar a recessão.

Dívida Externa Portuguesa

Como se sabe a Dívida Externa total é a somatória dos empréstimos contraídos no exterior pelo próprio Estado, por outras instituições públicas e privadas e pelos financiamentos do sector da banca.

No final do primeiro semestre de 2008 a dívida externa total portuguesa atingia o valor máximo de sempre, 344 mil milhões de euros (aproximadamente o dobro do PIB nacional), ou seja 200% do PIB*. Para mais facilmente se perceber este montante absurdo, basta pensar que, mantendo os mesmos níveis de produção, todos os portugueses teriam em teoria que trabalhar dois anos sem ganhar vencimento para poderem pagar a dívida externa do país.

Este “monstro” divide-se da seguinte forma:
-Divida do Estado: 90 mil milhões (26%)
-Dívida de Outras Instituições: 65 mil milhões (19%)
-Dívida do sector bancário: 189 mil milhões (55%)

Se considerarmos como vulgarmente se faz, o valor do endividamento, retirando os financiamentos da banca, a dívida de Portugal ao estrangeiro vai fixar-se perto de 100% do PIB no final de 2008. Cerca de 160 mil milhões de euros, que a uma taxa de juros de 5% ano corresponde ao pagamento de juros anuais de 8 mil milhões de euros, verba que por si só, daria para construir o aeroporto de Alcochete e todas as acessibilidades previstas e ainda sobrariam 2 mil milhões de euros.

Se considerarmos só a dívida do Estado, retirando do montante total, os financiamentos da banca e os empréstimos externos contraídos por outras instituições, esta representa cerca de 60% do PIB.

* -PIB Define-se como o valor dos bens e serviços finais líquidos da sua componente importada e depois de deduzidos os que são consumidos na produção de produtos intermédios.

Destes números, resulta claro para todos nós, mesmo para aqueles que estão menos habituados a reflectir sobre estas matérias, que atingimos níveis de endividamento muito preocupantes e insustentáveis, tanto mais porque estes têm vindo a agravar-se consecutivamente, ano após ano, desde 2000.

A dívida externa portuguesa mostra em primeiro lugar que Portugal não é um país competitivo, ou seja a grande maioria das empresas nacionais não o são, razão pela qual temos dificuldade em aumentar as nossas exportações. Em segundo lugar, o que todos já sabemos há muito, que o padrão de consumo das famílias nacionais é desajustado, ou seja que temos consumido mais do que a riqueza que produzimos e que essa diferença tem sido alimentada a crédito.

Défice da Balança de Transacções Correntes

A prova real do que acabei de referir é o valor exageradamente elevado do défice da balança de transacções correntes. Antes porém e para melhor se perceber os números, gostaria que ficassem esclarecidos os conceitos de Balança de Transacções Correntes, ou simplesmente Balança Corrente.

A Balança Corrente, trata do registo contabilístico dos fluxos económicos da sociedade com o exterior (através da fronteira), sendo que esta resulta da soma de quatro Balanças:
- A Balança de mercadorias ou comercial (regista importações e exportações de bens).
- A Balança de serviços (transacções com o exterior, seja de transportes, turismo e outros serviços)
- A Balança de rendimentos (salários de trabalhadores estrangeiros, juros e lucros de empresas a actuarem fora dos países)
-A Balança de transferências Unilaterais (maior fatia são as remessas de emigrantes privadas)
Nota: Não entram na Balança Corrente a balança de capitais e a balança financeira. A primeira regista por exemplo a entrada dos fundos europeus e na segunda estão os investimentos feitos por estrangeiros no nosso país e o investimento de portugueses no estrangeiro.

“O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o défice BTC em 2009 chegue em Portugal ao máximo histórico de 12% do PIB”, um dos valores mais altos do mundo ocidental, só ultrapassado pelo défice da Grécia (16% do PIB).

Quer isto dizer que no ano de 2009 Portugal vai ter um défice entre o valor de venda e de compra das transacções de bens, serviços, rendimentos e transferências feitas com os países estrangeiros, no valor aproximado de 19 mil milhões de euros (só para termos sensibilidade para este número, a verba daria para construir 3 aeroportos de Alcochete e ainda sobrava muito dinheiro).

Falta de investimento e falta de produtividade são as principais causas e fragilidades apontadas. Não temos conseguido melhorar o investimento nacional nem atraído suficiente investimento estrangeiro.

Tal deve-se muito mais a razões estruturais do que à crise internacional. Portugal é um dos países menos competitivo da Europa, apresentamos desvantagens tecnológicas e uma ambiente institucional pouco favorável, indica um estudo recente do BCE. A culpa também é da valorização do euro face ao dólar e da situação periférica de Portugal, conclui o mesmo estudo.

Conclusões

Continuamos a divergir e não a convergir dos restantes países da Europa. Todos os anos somos ultrapassados por um dos novos países membros. Mantemos as mais baixas taxas de crescimento. Apresentamos os maiores desequilíbrios da balança de pagamentos e o mais rápido crescimento da dívida, dos países da União Europeia. Pior seria impossível e estamos a empobrecer relativamente à Europa e a hipotecar a economia portuguesa ao exterior.

Que soluções?

Os nossos políticos têm dificuldade em mostrar as realidades que vos expus e falar sobre elas, até porque a sua esmagadora maioria são incompetentes para lidar com este cenário. E eles sabem que nada pior para a sua imagem, do que trazer ao discurso político factos que para eles são autênticos quebra-cabeças. Mesmo aqueles que melhor estariam preparados para lidar com o assunto, se ousassem apontar algumas saídas para atenuar esta bolha monstruosa que se formou, seriam imediatamente aniquilados pelas máquinas partidárias e estas arriscariam a não ganhar eleições.

Meus caros leitores, não sou especialista em economia, como já vos disse, sou apenas alguém que gosta de se manter informado e procurar estudar e reflectir sobre assuntos de máxima importância para todos nós, enquanto cidadãos de Portugal e do mundo, mas sei que a situação macroeconómica do país é insustentável. Se não se inverter esta tendência de despesismo, falta de produtividade, falta de investimento e se inverter a tendência da dependência externa, a bolha vai rebentar.

Temos pela frente uma tarefa muito árdua e difícil que exigiria uma mudança radical de vida de todos os portugueses, dos gestores das nossas organizações, das próprias instituições, dos nossos governantes e da sociedade em geral. Em primeiro lugar será preciso que todos tenham a consciência plena da gravidade da situação e depois não fazerem como a avestruz e colocar a cabeça enterrada na areia. A cabeça enterrada na areia têm tido todos aqueles que tendo responsabilidades e a consciência da gravidade da situação, têm deixado passar os dias impávidos e serenos e a dívida externa portuguesa e o défice externo a aumentar, a aumentar….

Serrone
Publicada por Serrone em 19:37 0 comentários