domingo, 3 de outubro de 2010

Políticas de Verdade. Políticas Coerentes.


Esta semana, o habitual discurso optimista do Primeiro-ministro foi abalado pela proposta de um inédito pacote de medidas de austeridade, destinado a baixar o défice público em mais de 5 mil milhões de euros.

A alteração de posicionamento público de José Sócrates, delatado pela contradição das duas circunstâncias mencionadas, pode ter surpreendido os mais desatentos, mas certamente não surtiu o mesmo efeito em relação a todos os que são conhecedores da realidade política, económica e financeira do país.

Os problemas de Portugal advêm muito antes da crise global declarada ao mundo em 2008. Estes problemas concentram-se na reduzida produtividade, fraca competitividade e elevado nível de endividamento. As fracas variações positivas do PIB português, tão enfatizadas por José Sócrates, fizeram-se nos últimos anos, à custa do aumento da procura interna. Como a nossa produção é inferior à procura interna, gastamos mais do que produzimos (salários reais superiores ao que a nossa produção permite), o que nos obriga a recorrer à poupança externa, ou seja, ao financiamento externo, que se traduz na realidade em mais endividamento do país.

Pensemos do lado da balança da conta corrente: As nossas exportações são inferiores às importações, logo a balança é negativa, o que implica que o dinheiro ganho com as exportações não chega para pagar as importações. O défice gerado é assegurado pelo recurso ao endividamento externo.

A gravidade da situação do país é demonstrada pela realidade dos números (ratios) daquelas variáveis macroeconómicas: Desde 1998, Portugal perdeu 18% da sua cota de mercado exportador. No período de 2001 a 2009, o défice médio da balança da conta corrente foi de 9% ao ano, atingido em 2009, 111,5% do PIB em termos líquidos e 225% do PIB em termos brutos. No mesmo período, os nossos custos de trabalho aumentaram cerca de 30%. Por outro lado, a produção de bens e serviços transaccionáveis (exportáveis), em valor relativo tem vindo a diminuir nas últimas décadas.

Entre 1997 e 2010, a dívida pública subiu de 56% do PIB, para valores próximos de 90%. Se adicionarmos àquele valor percentual a dívida das empresas públicas não financeiras e das parcerias público-privadas, chegaremos acima dos 110% do PIB.

Há muito que Portugal é um país sem capacidade para criar riqueza suficiente para sustentar a despesa e que a manutenção da economia é feita com o recurso ao endividamento externo. Os sucessivos governos, por falta de coragem política e também por incompetência, não promoveram as reformas da administração pública que reduzisse a despesa corrente primária, nem desenvolveram planos estratégicos sectoriais que viabilizassem o relançamento económico do país para níveis de maior competitividade e produtividade.

Um estado despesista, famílias a viver acima das suas possibilidades reais e um tecido empresarial de baixa produtividade a laborar maioritariamente em sectores de bens e serviços não transaccionáveis, são a realidade de um país governado nos últimos anos pelo Primeiro-ministro José Sócrates.

Realidade que José Sócrates foi escondendo fazendo um discurso enganador até que a proximidade da insolvência do estado soberano se tornou ameaçadora, tal como se tornou claro aos olhos dos portugueses através das dificuldades crescentes à obtenção do financiamento externo e aos juros altíssimos a pagar pela dívida do país.

O pacote de medidas enunciado na semana que findou, denominado PEC 3, só demonstra que as medidas dos pacotes anteriores eram, à partida, insuficientes para reduzir objectivamente o défice e acalmar os mercados financeiros. Mais uma vez, estas pecam por tardias e de novo foram declaradas ao país, sem antes se ter verificado uma preparação prévia dos portugueses.

É preciso que os políticos comecem a falar consistentemente a verdade e esclareçam de forma clara a realidade dos problemas do país, para que as pessoas possam compreender melhor a austeridade que lhes é imposta e para que todos percebam o esforço brutal que é preciso enfrentar, para que um dia se possa aspirar a um futuro mais risonho.

Agora só se está a tratar de uma parte dos problemas que é o controlo do défice público. Fica por atacar os problemas da competitividade e da baixa produtividade. A classe política e os restantes portugueses têm pela frente um desafio enorme. Será que irão estar todos à altura do desafio?

Os exemplos têm que partir do topo da pirâmide. A classe política tem que tomar a iniciativa e agir colocando os interesses de Portugal acima das estratégias partidárias e das aspirações particulares e corporativistas.

Sócrates, pela falta de coerência do seu discurso, pela omissão continua da verdade e por não ter tido o timing certo para implementar as medidas de controlo do défice, mostrou não estar à altura dos desafios e prestou um mau serviço à nação.

Serrone