sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A Era da Sociedade Pós Capitalista


Introdução

Peter F. Druker é considerado o pai da Gestão Moderna. Autor de cerca de 30 obras de referência, dá aulas de Ciência Política e Gestão na Claremont Graduate School (Califórnia), transformada no seu centro de Gestão para Peter F. Drucker Graduate School of Management.


A sua obra Post Capitalist Society foi escrita em 1993 e apesar disso continua surpreendentemente actual. Dando-nos uma visão histórica, Peter F. Drucker ajuda-nos a compreender a evolução da sociedade capitalista para a actual sociedade do conhecimento. Permite-nos compreender o presente e proporciona-nos uma curiosa visão do futuro.

Neste breve artigo, que ousei empreender, é relevado o papel do conhecimento no que concerne à sua evolução na transformação da sociedade, atendendo a uma perspectiva marcadamente económica.

Ciclicamente, as sociedades transformam-se reorganizando-se, dando lugar a mundo novo. “Quem nasce nessa altura não consegue sequer imaginar o mundo em que viveram os avós e em que nasceram os pais” (Peter F. Drucker – Post Capitalist Society, 1993).

Um pouco de história

Assistimos em tempo real a uma nova transformação, a da sociedade de organizações, cujo principal recurso é o conhecimento. Peter F. Drucker chama a esta nova era a “ sociedade pós capitalista”.

A última transformação do género, havia ocorrido no início da segunda metade do Século XVIII, dando origem à era da sociedade capitalista. Na sociedade capitalista, os factores de produção foram o capital, a terra e o trabalho.

Antes de 1750, o conhecimento, tanto no ocidente, como no oriente, sempre foi encarado como dirigido ao ser. O objectivo do conhecimento era o autoconhecimento e o autodesenvolvimento. O resultado que se pretendia obter passava-se ao nível do interior do indivíduo.

Em 1750, com a reinvenção da máquina a vapor e a sua utilização como fonte eficaz de energia, deu-se o início ao capitalismo e simultaneamente à revolução industrial. O conhecimento começou a ser aplicado ao fazer.

Na segunda fase do capitalismo, que começou em 1880 e culminou no final da 1.ª guerra mundial, o conhecimento apareceu com um novo significado aplicado ao trabalho, produzindo a “Revolução da Produtividade”. Como se sabe, Taylor foi o grande obreiro do conceito de produtividade.
Graças aos princípios que estabeleceu, foi possível espalhar a riqueza também aos trabalhadores detentores do conhecimento e não só aos capitalistas como até ai, deixando os primeiros de ser proletários, para passarem a ser burgueses, tornando-se assim estes, os verdadeiros beneficiados do capitalismo.

Face ao exposto, segundo Peter F. Drucker, subjacentes às três fases da alteração do conhecimento estão a Revolução Industrial, Revolução da Produtividade e Revolução da Gestão.

A “Revolução da Gestão”

Esta nova transformação que teve inicio após a segunda guerra mundial e, defende Peter F. Drucker, terá a sua máxima força, provavelmente na segunda década do século XXI. Nesta sociedade, que já existe, os factores de produção são os trabalhadores do conhecimento e dos serviços.

O autor chama a esta fase a “Revolução da Gestão”. O conhecimento está a ser sistematicamente utilizado com o propósito de definir que novo conhecimento é necessário, se é funcional, e o que se deve fazer para o tornar eficaz. Por outras palavras, o conhecimento está a ser utilizado na inovação sistemática. “O conhecimento é aplicado ao próprio conhecimento”.

Como é que o conhecimento é aplicado ao próprio conhecimento?

A pergunta em título tem três respostas possíveis:

1.ª resposta - Melhoramento contínuo do processo, do serviço e do produto.
2.ª resposta -Exploração contínua do conhecimento existente para desenvolver novos e diferentes produtos, processos e serviços.
3.ª resposta -Inovação genuína.

Que teoria económica se pode aplicar à sociedade do conhecimento?

A primeira grande dificuldade será quantificar o conhecimento, avaliar a produtividade (rendimento) do conhecimento.

O que é o rendimento do conhecimento?

Em boa verdade ainda ninguém pode responder a esta pergunta. Não podemos ter uma teoria económica se não houver um modelo que traduza os acontecimentos económicos em relações quantitativas. Sem ele, não há a possibilidade de fazer uma escolha racional e como já dissemos neste espaço, escolhas racionais é o que se trata em economia.

Peter F. Drucker fala-nos do conhecimento como recurso económico, mas todas as teorias económicas existentes, seja Kenesiana, neokeynesiana, clássica ou neoclássica, não assentam os seus postulados neste recurso.

Estas teorias fazem depender a economia ou do consumo ou do investimento: Keynesianos e neokeynesianos fazem-na depender do consumo; clássicos e neoclássicos afirmam que depende do investimento.
Na economia do conhecimento, nenhum destes factores parece assumir o controlo. Com rigor, não há indício de que um maior consumo na economia conduza a uma maior produção do conhecimento, ou que um maior investimento o faça.

Do exposto se conclui que é necessária uma nova teoria económica que coloque o conhecimento no centro do processo. “Só essa nova teoria poderá explicar a economia actual, o crescimento económico e a inovação ”.
Exigências da Gestão

Até se conseguir descobrir a teoria económica da produtividade do investimento no conhecimento, o que poderá nunca vir a acontecer, temos que adoptar as melhores práticas de gestão nas nossas organizações para tornar o conhecimento cada vez mais produtivo, a partir daquilo que já é conhecido.

Um dos grandes erros de gestão é não se mobilizar os múltiplos conhecimentos de que se dispõe. Por outras palavras, a maior parte do conhecimento disponível não é tornado produtivo, permanecendo apenas como informação.

O conhecimento é universal e a capacidade competitiva de uma organização, de um país ou de uma região estará cada vez mais condicionada ao desempenho da sua gestão, ou seja à maior ou menor facilidade de tornar o conhecimento produtivo.

Serrone

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008



Vivemos um mundo pós-americano, segundo Fareed Zakaria

Introdução:

Em Maio de 2008 foi publicado mundialmente o livro The Post-American, escrito por Fareed Zakaria. Segundo este eminente jornalista, vivemos actualmente num mundo pós-americano. Ao longo de 7 capítulos, Fareed Zacaria faz uma brilhante análise geopolítica e económica que marcaram os acontecimentos da segunda metade do segundo milénio e que marcam o início do século XXI. É-nos dada uma visão histórica das conjunturas e das estruturas de poder, bem como das dimensões - político-económicas, sociais e culturais - de uma realidade que moldou e está moldar o nosso mundo tal como hoje o conhecemos.

Poderemos não concordar no todo ou em parte com a sua análise dos factos e sobre a sua visão da nova distribuição de poder do mundo, mas a sua leitura é essencial e imprescindível para a nossa própria interpretação e análise.

É pois com modéstia que se apresenta uma súmula de alguns dos aspectos mais relevantes do livro, não se devendo dispensar a sua leitura integral.


Fareed Zakaria é doutorado em Ciência Política pela Universidade de Harvard. Foi considerado uma das vinte e uma personalidades mais importantes do século XXI pela revista Esquire e um dos cem intelectuais mais influentes do mundo pelas revistas Foreign Policy e Pospect.
Foi editor executivo de Foreign Affairs e é, desde 2000, o editor da revista Newsweek Internacional.

A terceira grande mudança na era moderna


Segundo Fareed Zakaria, na era moderna, ocorreram três mudanças fundamentais na distribuição do poder que modificaram profundamente a vida internacional.

1.ª – A ascensão do mundo ocidental e o domínio político prolongado das nações ocidentais que começou no século XV com os descobrimentos dos caminhos marítimos e que teve a sua máxima expansão no século XVIII. Esta ascensão produziu a modernidade tal como a conhecemos hoje (a ciência e a tecnologia, o comércio e o capitalismo, as revoluções agrícolas e industrial).

2.ª – A segunda mudança teve lugar nos finais do século XIX com a ascensão dos Estados Unidos. Após a sua industrialização os Estados Unidos dominaram a cena económica, política, científica e cultural durante todo o século XX.

3.ª – Segundo F. Zakaria, actualmente estamos a viver a terceira grande mudança de poderes denominada “ascensão dos demais”.

O sistema internacional que está a emergir é provavelmente diferente de todos os que o procederam. A nível político-militar, continuamos a viver num mundo de apenas uma superpotência. No entanto, em todas as outras dimensões – industrial, financeira, educacional, social e cultural, a distribuição está a mudar afastando-se do domínio americano, definido e dirigido de muitos lugares e por muitas pessoas.

Nas últimas décadas, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, muitos países perceberam que havia só uma única forma básica de organizar a sua economia, a liberalização e de abertura ao mercado. Esta mudança ideológica no domínio da economia foi ganhando forma durante os anos 70 e 80, antes da queda do muro de Berlim.

A força financeira que dinamizou a nova era, ocorrida durante essas duas décadas, foi a liberalização dos movimentos de capitais que impulsionou a sua oferta vasta e crescente em todo o mundo.

A globalização trouxe à cena internacional outras grandes potências que irão ter um papel crescente mais importante. Na Ásia, a China, a Índia, o Japão e a Indonésia. Na América do Sul, o Brasil e o México. No continente africano a África do Sul. Também a Rússia quer recuperar o estatuto perdido pelo ex-bloco soviético.

O mundo está a modernizar-se e americanizar-se. Os países estão a tornar-se mais abertos ao mercado e mais democráticos. A ascensão dos demais fará com que o peso relativo dos Estados Unidos seja menor e que o seu espaço de acção diminua.

A ascensão dos demais, embora real, é um processo longo e lento. À medida que a China, a Índia, o Brasil, a Rússia e a África do Sul e uma serie de países mais pequenos crescerem ao longo dos próximos anos, emergirão novos pontos de tensão entre eles. Fricções nacionais, mudanças climáticas, disputas comerciais, degradação ambiental e doenças infecciosas podem todas ir existindo subterraneamente até surgir uma crise.

A resolução de tais problemas e o fornecimento de bens públicos globais, exige um moderador, um organizador, um líder.

A grande pergunta que se impõe é quem e como se irá exercer essa liderança?

Serão os Estados Unidos capazes de afirmar essa nova liderança?

Tendências macroeconómicas preocupantes dos Estados Unidos

Nos Estados Unidos a taxa de poupança é nula e tem caído ao longo das últimas duas décadas, o défice das transacções correntes, o défice comercial e o défice orçamental são elevados, a média do rendimento está estagnada e o endividamento privado é alto.

O mais preocupante é que os Estados Unidos pediram emprestados uns 80% das poupanças mundiais e usaram-na para consumo. Dito de outra forma, eles venderam activos aos estrangeiros para comprar bens consumíveis.

Nos últimos trinta anos, os Estados Unidos tiveram as menores taxas de imposto sobre o rendimento das empresas de entre os principais países industrializados. Hoje têm a segunda taxa mais elevada. As taxas dos Estados Unidos não subiram, a dos outros países é que desceram.

Os custos médicos e de seguros por trabalhador nos sector da Industria é bastante superior aos dos outros países industrializados, o que se constitui como uma desvantagem competitiva. Mais grave ainda é que os americanos perdem o sistema de saúde, se perderem o emprego.

Se o sistema económico tem sido o seu ponto alto, o seu sistema político está a ser o seu ponto fraco. Qualquer progresso sobre questões fundamentais – saúde, segurança social, reforma fiscal – exige compromissos políticos entre as duas forças dominantes e tal não tem acontecido.
A economia tem problemas, a moeda está a desvalorizar-se e o país confronta-se com despesas governamentais crescentes e baixa poupança.

A nível da sua política externa os Estados Unidos têm cometido nos últimos anos diversos erros graves que mancharam e descredibilizaram a sua imagem ao nível da opinião pública mundial.

Os Estados Unidos tornaram-se uma nação consumida pela ansiedade, preocupada, com terrorista e com países malfeitores, muçulmanos e mexicanos, empresas estrangeiras e comércio livre, imigrantes e organizações internacionais. O país mais forte do mundo vê-se a si próprio como se estivesse cercado por forças que estão fora do seu domínio.

O poder Americano

A economia dos Estados Unidos é ainda a maior do mundo desde meados da década de 1880. Os Estados Unidos têm representado aproximadamente cerca de um quarto do produto mundial bruto durante mais de um século (32% em 1913, 26% em 1960, 22% em 1980, 27% em 2000 e 26% em 2007).

Os Estados Unidos gastam mais em investigação no domínio da defesa que o conjunto do resto do mundo e gastam 4,1 do seu PIB em despesas com a defesa, isto sem se arruinarem.

Os gastos dos Estados Unidos em investigação e desenvolvimento mantêm-se mais altos do que na Europa e o grau de colaboração entre as empresas e as instituições de educação não tem rival em lado nenhum do mundo.

Os Estados Unidos estiveram na liderança da diplomacia mundial durante todo o século XX. Foram eles que propuseram a liga das nações a gerir as relações internacionais após a Primeira Guerra Mundial. Eram a potência dominante no final da Segunda Guerra Mundial, quando fundaram as Nações Unidas, criaram o sistema de cooperação económico internacional e lançaram as organizações internacionais decisivas.

Em vez de criarem um império americano, aproveitando a sua hegemonia em todas as vertentes, construíram uma ordem internacional feita de alianças e de instituições multilaterais e auxiliaram o resto do mundo a reerguerem-se concedendo auxílio económico e favorecendo o investimento privado. A peça central deste esforço, o Plano Marshall, custou 100 mil milhões de euros de hoje. Durante o século XX, os Estados Unidos abraçaram a cooperação internacional, não por medo ou por vulnerabilidade, mas por confiança e força.

A modernidade tal como a conhecemos e o crescimento económico mundial que se vive actualmente, teve uma contribuição muito preponderante dos Estados Unidos e esse facto não poderá ser esquecido por todos aqueles que hoje, um pouco levianamente por todo o mundo, vão proferindo frases mais ou menos agressivas contra aquele país.

Pode-se discordar da política das últimas administrações do Estados Unidos, mas isso não poderá fazer-nos esquecer do papel importante que este país teve e ainda tem para o mundo.

A modernidade veio com a ascensão do ocidente e por isso ficou com uma face ocidental. Mas, à medida que o mundo moderno se expande e vai abarcando mais países, a modernidade torna-se um receptáculo de culturas.
Como é que os Estados Unidos poderão liderar o mundo de hoje, de certo modo ajudado a moldar por si próprio, mas construído tendo por base as características e mentalidades próprias de outras culturas diferentes?

O mundo precisa dos Estados Unidos forte a exercer um novo tipo de liderança?

Respostas às questões dadas por Fareed Zakaria

O mundo precisa da liderança da América. É preciso que os Estados Unidos continuem a ter um papel vital no equilíbrio do mundo, embora de modo diferente do que tem sido nos últimos anos.

Os Estados Unidos têm que escolher as suas prioridades. Não podem estar envolvidos em tudo. Os recursos são escassos e não podem ser desperdiçados. Todas as decisões de envolvimento em algumas causas, por mais meritórias que sejam, são uma distracção em relação às questões estratégicas mais vastas que confrontam os Estados Unidos. Por outro lado, terá que se respeitar as decisões de cada um dos países, dando-lhe o seu espaço e o direito ao seu legítimo crescimento, desde que estas sejam feitas de acordo com as regras aceites internacionalmente. Os Estados Unidos não podem cair numa armadilha imperial.

Os Estados Unidos deverão privilegiar a criação de regras, de práticas e de valores pelos quais o mundo se possa reger, em vez de tentar impor os seus interesses particulares no estrangeiro. Com essa opção, conseguirão que os novos países em ascensão, continuem a viver num quadro do actual sistema internacional. Conseguirá assim que a ascensão dos demais não se torne numa espiral competitiva descendente, com as grandes potências a tratarem livremente dos seus próprios interesses e vantagens numa forma que acabaria por destabilizar o próprio sistema.

Tudo isto implica mais do que simplesmente estar presentes em mais reuniões das Nações Unidas e assinar tratados. Quando os Estados Unidos proclamam valores universais, devem exprimir as suas posições cuidadosamente.

Washington deveria reconhecer que, se tem as suas próprias excepções, o mesmo se passa com os outros países. Ou então deveria simplesmente abandonar as suas próprias excepções. Mas não fazer nenhuma das coisas e pregar uma coisa e fazer outra é hipocrisia, o que é pouco eficiente e mina a credibilidade americana. O que tem feito nos últimos anos, principalmente durante a administração Bush, é dizer ao mundo: “Façam como eu digo, não façam como eu faço”.

Em vez de tentar jogos de equilíbrio com as grandes potências ascendentes e ameaçadoras, será preferível adoptar políticas externas que visem melhorar o seu relacionamento com estas. O objectivo dos Estados Unidos da América deverá ser, ter melhores relações com todas elas, do que quaisquer delas entre si.

Esta abordagem dará aos Estados Unidos o maior ponto de apoio possível com todas as partes, maximizando a sua capacidade para moldar o mundo pacífico e estável. Se as coisas não funcionarem bem, também dá aos Estados Unidos a legitimidade e a margem de manobra para passar para um papel de manutenção de equilíbrio.

Entre os académicos e os políticos internacionais, há uma teoria predominante sobre o modo e os motivos pelos quais a paz internacional dura. Essa teoria defende que o sistema mais estável é um sistema com um único poder dominante que matém a ordem. Mas nem todas as questões se prestarão a uma tal estabilização. Por outras palavras, a procura de uma solução de tipo superpotência para todos os problemas pode ser fútil e desnecessária. Certos arranjos de menor amplitude podem ter a mesma eficácia.

Um sistema internacional mais orgânico no qual os problemas sejam tratados através de uma variedade de estruturas e de soluções poderá criar o seu próprio tipo de estabilidade mais segmentada. Não será tão apelativa com uma estrutura de paz mais formal, enraizada e dirigida através de uma ou duas organizações centrais localizadas em Nova Iorque e Genebra. Mas é provável que seja uma ordem mais realista e duradoura.

A procura da ordem não é um problema exclusivamente americano. Se a ascensão dos demais também trouxer uma ascensão do orgulho nacional e de interesse próprio e da capacidade de afirmação, tem-se ai o potencial para produzir desordem. Ao mesmo tempo esta ascensão está a acontecer num mundo no qual a paz e a estabilidade proporcionam grandes retornos, dando incentivos às grandes potências para manterem o sistema estável. O problema é que estas potências em ascensão não têm um incentivo óbvio e imediato para resolver os problemas vulgares que o novo sistema gerará. Será por isso crucial a existência de um moderador, um organizador, um líder.


Washington precisa compreender que, gerar o apoio público para as suas posições sobre o mundo, é um elemento central de poder e não apenas um exercício de relações públicas. Há agora outros países, povos e grupos que têm acesso às suas próprias versões e redes de informação. Não vão calmamente aceitar a versão dos acontecimentos que lhe é enviada por terceiros. Washington vai ter de defender os seus argumentos, e de forma persuasiva. Esta tarefa tem-se tornado mais difícil, mas também se tem tornado mais vital. Num mundo cada vez mais democratizado, a longo prazo, a batalha das ideias é quase tudo.

Para pôr em prática qualquer destas estratégias específicas, os Estados Unidos têm de fazer um ajustamento muito vasto. Para recuperar o seu lugar no mundo, têm antes de recuperar a sua confiança. Há americanos demais apanhados pela retórica do medo.

Esperemos, para o bem do mundo, que a nova administração liderada por Barack Obama consiga implementar o tipo de liderança mundial que se adapte ao este novo mundo pós-americano e que, simultaneamente restitua ao povo americano a confiança perdida.


Serrone, 8 de Dezembro de 2008

domingo, 12 de outubro de 2008

Tradição, Estado e Mercado

Adam Smith, o pai da economia tinha em todo o seu estudo a ideia muito presente, que o mercado só funcionaria correctamente dentro de um forte e estável quadro cultural que evitasse a anarquia e o despotismo. O mercado precisaria de confiança, e esta segundo ele, só existiria no meio de uma sociedade em que as regras da civilidade fossem respeitadas por todos.

Quem estudou ou simplesmente se interessa por economia, sabe perfeitamente que esta ciência assenta em dois postulados fundamentais (racionalidade e equilíbrio) e que o problema económico se resolve por mecanismos próprios, a saber: pela tradição (regras básicas de convivência em sociedade), pelo Estado (regulador) e pelo mercado (no qual se verifica a relação livre e directa dos agentes interessados estabelecendo um equilíbrio entre si). Um sistema económico baseado só em dois dos referidos mecanismos dificilmente poderia funcionar, já dizia Adam Smith (1723-1790).

Quando analisamos os acontecimentos que tiveram na génese da actual crise financeira/económica mundial, percebemos facilmente que, várias das regras básicas da ciência económica foram sistematicamente violadas e que, por isso mesmo, outro resultado não seria de esperar, senão o desenlace na actual crise. As grandes instituições financeiras americanas criaram produtos financeiros de alta rendibilidade e de grande vulnerabilidade. Numa fase de crescimento económico, concederam créditos imobiliários sobreavaliados com taxas de juros elevadas, a clientes em situação de precariedade de trabalho, sem poder económico e sem possibilidade de oferecerem garantias adicionais de cumprimento das suas obrigações contratuais.

Poder-se-á facilmente compreender que, na base da decisão dos bancos, não estiveram presentes os princípios da racionalidade e do equilíbrio. Repare-se que, uma escolha é considerada irracional se um agente, deliberada e conscientemente, entre duas alternativas possíveis, seleccionar aquela que sabe ser a que considera pior. Não sejamos ingénuos. Os líderes daquelas instituições, muitos deles formados Harvard e noutras das melhores escolas americanas, sabiam perfeitamente que os produtos financeiros que criaram, tinham apenas como objectivo a obtenção de rácios de rendibilidade imediatos, que lhe garantiam a eles próprios avultados prémios, com os quais construiriam enormes fortunas pessoais. Conheciam claramente o risco de violação dos contratos de crédito concedidos e as consequências para as suas instituições a médio e longo prazo. Por essa razão (não só por questões de financiamento), resolveram vender parte desses créditos a outras instituições nacionais e internacionais, através de fundos imobiliários, como forma de mitigarem o risco.

Neste contexto, podemos identificar outros agentes que contribuíram para a crise: - os investidores, especuladores das bolsas ("jogadores de roleta, agentes parasitários"), que enriqueceram fora do contexto da economia real. Também eles agiram em contraponto aos valores da ética, desrespeitando as regras da civilidade.

O Estado (Administração Bush), cujas decisões influenciam directa e indirectamente não só a USA mas o resto do mundo, preferiu também privilegiar o desenvolvimento de políticas económicas que visassem a obtenção de resultados no curto prazo, em detrimento dos resultados de médio e longo prazo. A Administração Bush tentou tirar aproveitamento político dos efeitos do enorme crescimento do mercado imobiliário, muito dele, fruto dos créditos "Suprime", mesmo sabendo da sua insustentabilidade e da previsível desvalorização do produto a estes associados.

Os analistas e especialistas económicos ao serviço da administração Bush, conheciam certamente os riscos e possíveis consequências do crédito mal parado e os seus efeitos contaminantes nos mercados financeiros em geral e também, a possibilidade da economia real ser afectada e os USA entrarem em recessão. Entusiasmados com o crescimento económico, cometeram um erro de cálculo de previsões da chegada da crise. Pensavam ele que os seus efeitos chegariam mais tarde, possivelmente depois das eleições presidências.
O Estado não desempenhou o seu papel de agente económico regulador e de garantia de sustentabilidade dos mercados, por hipocrisia e irresponsabilidade política. Bush teve igual a si próprio e o mundo há muito tempo não conhecia tanta anarquia e tanto despotismo, e por isso tanta desconfiança.

Todas as medidas que venham a ser implementadas para restituir a confiança, poderão até ter algum resultado imediato junto dos especuladores da bolsa, de alguns investidores e no mercado interbancário, mas duvido que, tão depressa chegue ao consumidor comum. Tenho alguma esperança que o cidadão comum finalmente tenha percebido que, é ele quem vai sofrer mais os efeitos da crise e também que, é ele quem mais vai contribuir com os seus impostos para pagar a maioria das medidas que têm sido anunciadas para tentar restabelecer a confiança aos mercados. Percebeu ainda, até onde pode chegar a ganância dos líderes das instituições financeiras e a ambição dos líderes da política, mesmo que estes últimos estejam encapuçados pelo disfarce da democracia.
Só teremos crescimento económico verdadeiro, gerador de riqueza real sustentável, quando finalmente houver mais economia e menos "finanças" e quando todos os agentes cumprirem os princípios económicos de Adam Smith. Nessa altura o mundo não poderá ser governado por gente como Bush e as principais instituições financeiras não poderão ter como gestores gente sem escrúpulos.

Serrone

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O que será preciso fazer mais para restabelecer a confiança nos mercados?

As medidas que o FED, o BCE, o Banco de Inglaterra e do Japão têm estado a implementar, acrescidas das acções, muitas promessas e garantias feitas pelos governos de vários países para devolver a confiança aos mercados, não tem estado a surtir o efeito esperado.

A falta de confiança é comum aos mercados monetários, seja este em dólares, euros ou asiáticos. Dizem alguns especialistas que as medidas que têm surgido são bem-vindas e são necessárias para assegurar a segurança do sistema financeiro. Mas estes mesmos especialistas, também esperavam que os resultados já tivessem começado a acontecer. Como se sabe até hoje ao meio dia, a inversão não aconteceu, antes pelo contrário, os mercados bolsistas mundiais continuam em forte queda e as taxas de juro de referência interbancária (como ex. a Euribor), teimam em não descer.

O espectro da recessão económica mundial e a falência de várias instituições financeiras europeias e o profundo receio de que muitas outras poderão esconder problemas, congelaram praticamente as operações no mercado interbancário, fazem disparar a taxa de juro e agravam a desconfiança.

Foram muitos anos sem uma entidade reguladora e sem redes e sistemas de segurança nos mercados financeiros. A ambição sem limites de alguns gestores de topo de grandes grupos financeiros agindo com a cumplicidade dos governantes, levaram os mercados as extremos. Depois, a Administração Bush demorou demasiado tempo a reagir aos efeitos do Suprime e a aprovar o Plano Paulson. Para além disso as acções concertadas das grandes potências económicas e financeiras têm tardado a efectivar-se.

Hoje os G7 vão reunir-se de emergência para tentar encontrar uma solução. O que terão eles que fazer para parar o pânico?

Não sei ao certo, mas esforços não devem ser poupados. É preciso manter a economia real em funcionamento com a menor afectação possível, devolvendo de imediato a confiança aos mercados.


A base do sistema financeiro, os bancos, têm que continuar activos e as relações interbancárias terão que restabelecer-se rápidamente, devendo ser estas as principais preocupações dos governos dos diversos países. O modelo de intervenção adoptado na Inglaterra parece-me muito mais ajustado a gerar confiança do que a solução adoptada nos USA (Plano Poulson).

Seja como for, para além destas medidas para restabelecer a confiança, para recuperar a economia, vão ser precisos impostos mais baixos para as empresas, sendo que, para o efeito, as políticas orçamentais dos estados terão que ser mais flexíveis. Os investimentos não poderão parar e o dinheiro terá que continuar a circular para que as empresas não asfixiem. Para que tal aconteça são precisos juros mais baixos pelo que, os bancos centrais têm que dar já um sinal forte nesse sentido e depois… vamos ver...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Que pena, não podermos dar aos nossos filhos o que herdámos, o fascínio de um dia poderem ficar ricos!

Ontem almocei com um amigo de longa data que tem mais ou menos a mesma idade que eu. Costumamos falar de actualidades e ontem, inevitavelmente, o tema foi a crise.

Revivemos o nosso mundo de há trinta anos atrás. Nessa altura éramos adolescentes sonhadores. Aspirávamos um dia ser ricos, sendo que, para nós, o significado de riqueza passava essencialmente pelo acesso a um padrão de vida mais elevado que o do meio onde crescíamos.
Pois bem, decorreram trinta anos e o balanço não podia ser mais positivo: os nossos sonhos foram não só realizados, como também foram largamente superados. Não há comparação possível entre o que é hoje o nosso padrão de vida e o das pessoas mais ricas da nossa região, há trinta anos atrás.

Desde essa altura, até agora, o mundo tem estado em acelerada mudança: transformações políticas e ideológicas profundas; a globalização; o mercado único europeu e a moeda única; o desenvolvimento tecnológico e a liberalização económica, todos estes factores foram transformando gradual e profundamente o nosso modo de vida, quase sem darmos por isso.

As pessoas perderam a noção do valor e do preço das coisas. As modernas estratégias de gestão e de marketing, potenciadas com o desenvolvimento dos meios audiovisuais e o acesso fácil ao crédito barato, permitiram ao comum dos mortais, ter a ilusão de que poderia adquirir mais aquele bem ou serviço. Nos últimos anos, a generalidade da classe média ocidental, endividou-se recorrendo a créditos "baratos", para comprar bens tangíveis de toda a natureza, sempre com a ilusão de que, com mais aquela compra, iriam viver melhor. Os consumos cresciam sempre e o endividamento das famílias aumentava quase na mesma proporção. Até há muito pouco tempo, poucos eram os que tinham a verdadeira percepção que o crescimento económico do mundo ocidental se estava a alicerçar em "raízes podres", prestes a ruir a qualquer momento.

O "suprime" apenas fez transbordar a "água do copo", que já se encontrava "quase cheio", com uma infinidade de créditos concedidos a pessoas que a ele recorreram, sem terem à partida a possibilidade de os pagar de forma sustentada.

E agora, o que nos irá acontecer? Será difícil prever qual vai ser o nosso futuro, mas nenhum de nós terá grandes dúvidas: - a forma de viver a que nos habituámos nos últimos trinta anos, vai mudar certamente. O crescimento económico baseado mais nas finanças do que na economia, tem os dias contados.

Que pena, não podermos dar aos nossos filhos, o que herdámos, o fascínio de um dia poderem ficar ricos!

Serrone

sábado, 16 de agosto de 2008

A verdadeira razão do conflito na Geórgia

Interesses geoestratégicos e a riqueza do solo na região do Cáucaso, levaram o gigante adormecido a recorrer aos velhos métodos de demonstração de poder da antiga URSS e a esquecer os tratados internacionais.

É certo que o presidente Mikhail Saakachvili da Geórgia, ao avançar com a operação contra os separatistas da Ossétia do Sul, cometeu um erro de cálculo, talvez induzido quem sabe, propositadamente por Moscovo, que lhe teria dado a entender que não interviria.


A Rússia que esperava uma oportunidade para mostrar ao mundo que ainda tem força militar e poder para restabelecer uma “esfera de influência” há muito perdida sobre a região e controlar os seus recursos energéticos e estratégicos, não deixou de aproveitar a ingenuidade de Saakachvili.


A URSS desmembrou-se em 1991 com a independência das suas 15 repúblicas e, desde essa data, Moscovo tem sido afrontada pela humilhação geopolítica, com muitos dos antigos membros a pedirem a entrada na NATO e na União Europeia. Nos últimos 17 anos a área de influência euro-atlântica tem aumentado significativamente. Toda a Europa Central, Oriental e os Balcãs já fazem parte, ou estão prestes a tornarem-se membros da Nato e da União Europeia. Por isso, Moscovo não vê com bons olhos a possível entrada na NATO da Ucrânia e da Geórgia e a colocação de um escudo antimíssil na Polónia. Tanto mais que, no território da Ucrânia, para além de se encontra uma parte do poder bélico que pertencia à ex. URSS, também se situa a sua principal base naval, o seu grande porto com acesso directo ao Mar Negro e ao Mediterrâneo. A Geórgia é uma rota natural do trânsito de combustíveis, sendo que, todos os projectos do ocidente e da própria Rússia prevêem os traçados de oleodutos e gasodutos no seu território, a ligar o Azerbaijão à Turquia, drenando os recursos energéticos do Cáspio.

Tentativa de aproximação da Geórgia ao ocidente e sinais claros do conflito de interesses do ocidente com a Rússia


Em 2006 a Geórgia assinou o Plano de Acção de Vizinhança Europeia com a União Europeia e a adesão à Nato é uma prioridade deste aliado dos Estados Unidos. O presidente Mikhail Saakashvili chegou ao poder em 2004 conseguindo uma esmagadora maioria de 96% dos votos, persuadindo os eleitores de que iria transformar a Geórgia num país próspero ocidentalizado, no qual não haveria lugar para a corrupção e a pobreza, considerados os dois maiores flagelos sociais pelas suas populações.


No Washington Post do dia 14 de Agosto, Ronald Asmus e Richard Holbrooke, nomes sobejamente conhecidos da anterior administração americana, da era Clinton, afirmaram que "O objectivo da Rússia não é simplesmente, como clama, restaurar o statu-quo na Ossétia do Sul. Quer a mudança de regime na Geórgia". Ou seja, visa derrubar o regime pró-americano de Saakachvili. Temos de conter a pressão da Rússia sobre os seus vizinhos, especialmente na Ucrânia, muito provavelmente o próximo alvo dos esforços de Moscovo para criar uma nova esfera de hegemonia". Esta afirmação revela claramente que as preocupações da América relativamente ao Cáucaso já vinham detrás e mostra que os esforços desenvolvidos nos últimos anos de expansão de influência a leste, tinham também o objectivo de neutralizar e isolar a Rússia.


Por outro lado sabemos que eles não estão enganados, basta recordar o que afirmou Stanislav Belkovski, conselheiro de Vladimir Putin, quando decorriam as eleições ucranianas de 2004.: "A única maneira de prosperarmos no século XXI é restaurar o nosso domínio no espaço pós-soviético". Esta é uma obsessão da doutrina estratégica russa desde os primeiros tempo do consulado de Boris Ieltsin.


Com a acção militar no Cáucaso, a Rússia confirmou ao mundo de forma inequívoca o arranque da sua "estratégia de cerco" que consiste em restabelecer uma “esfera de influência” englobando pelo menos a Ucrânia, a Moldávia e a Geórgia. Aparentemente esta primeira acção está a ser a conseguida com êxito e tudo indica que dificilmente a Geórgia irá recuperar a Ossética do Sul e a Abhkázia. A Geórgia mais instável e com as forças militares fortemente atingidas com o actual conflito, seria menos apetecida aos interesses da NATO.


Os Estados Unidos, reféns da ajuda da Rússia na solução do programa nuclear iraniano não tiveram meios nem vontade política para proteger um aliado e a sua credibilidade regional foi largamente afectada. Até mais ver a Rússia está a conseguir os seus objectivos e está a sair vencedora. Os próximos tempos vão ser decisivos para se saber com que armas se vai afinal fazer esta guerra e quem virão a ser os vencidos e os vencedores.


Aparentemente os Estados Unidos no imediato, para além de se desmultiplicarem em contactos diplomáticos e em intervenções políticas mais ou menos relevantes, irão fazer braço de ferro com o seu rival, começando por fechar o acordo com a Polónia de instalação do sistema antimíssil e irão acelerar a entrada da Ucrânia e eventualmente da Geórgia na NATO. Vão tentar não cometer erros estratégicos, para mostrarem aos povos da região que são os aliados certos e que a Rússia é um país isolado sem aliados.


Seja qual for o desenrolar e o desfecho, para já, parece não haver dúvidas, o mundo está ainda mais instável e aumentaram as incertezas de manutenção da paz, fazendo ressuscitar velhas angústias do tempo da guerra fria. O gigante adormecido, afinal esteva sorrateiramente a preparar-se e a aguardar a sua oportunidade para contra-atacar e soube escolher o seu momento, mostrando as “garras” orgulhosamente de modo a convencer os rivais de quem manda no território, é ele.

sábado, 9 de agosto de 2008

Dia 9 de Agosto de 2007, o dia em que a crise chegou à Europa

A noção de tempo datada em dias, meses anos, décadas e séculos é puramente cronológica e foi definida pelo homem, muito milhões de anos depois do aparecimento de vida na terra. Talvez por isso, nunca fui pessoa dada a dar muita importância às datas. O que importa verdadeiramente é que as ocorrências e os respectivos registos vão ficando impressos na história, podendo em alguns casos, projectar-se sem apelo nem agrave no nosso futuro comum.

Não poderia deixar passar o dia de hoje, precisamente um ano decorrido desde que a crise financeira chegou à Europa. Nessa data, o BPN Paribas, o maior banco francês, congelou três fundos de investimento fortemente ligados ao mercado imobiliário dos Estados Unidos. Nesse mesmo dia o Banco Central Europeu injectou 95 mil milhões de euros numa tentativa de repor a liquidez.

A que se devia tão grande turbulência nos mercados financeiros europeus?

Um dia antes, havia eclodido o colapso do crédito hipotecário de alto risco na maior potência económica mundial, denominado a "Crise Suprime".

Um ano decorrido, interessa registar resumidamente o balanço dos efeitos da crise do “Suprime” no sector financeiro, precisamente o sector que esteve na origem da crise:

“ Os bancos de todo o mundo cortaram cerca de 100.000 postos de trabalho. As perdas assumidas até agora pela banca ascendem a 320.000 mil milhões de euros (495 mil milhões de dólares), dos quais 45% verificaram-se na Europa.” Mas o FMI assegura que as perdas totais irão ascender a um bilião de dólares. Isto quer dizer que, segundo o FMI, as taxas de juro que acabaram de atingir máximos históricos, irão levar cerca de uma ano e meio a atingir o máximo de magnitude no final de 2009 em diante. A concessão de crédito às empresas e às famílias foi largamente dificultado e é cada vez mais caro, o que só por si, afecta directamente o investimento e o desenvolvimento económico.

A Citigroup e Merrill são as instituições mais afectadas pela crise do “Suprime”. Juntos perderam 69 mil milhões de Euros desde Agosto de 2007. Na Europa e o Banco Suíço UBS foi que mais perdeu, cerca de 25 Milhões de Euros.

Hoje as perspectivas para o futuro não são nada animadoras. Pode-se esperar a continuação da subida das taxas de juro na zona euro, a continuação de falta de liquidez nos mercados de crédito, spreads demasiado elevados, continuada redução dos lucros da banca, continuado agravamento da inflação, dificuldades de acesso ao crédito de empresas e particulares, redução da actividade económica e consequente aumento do desemprego.
Serrone

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Globalização, "Guilty or not Guilty?"

No dia 26 de Maio deste ano deixei em aberto algumas questões sobre os eventuais efeitos da globalização na actual crise mundial. Desde essa data, tenho tentado formar melhor a minha opinião, lendo livros e artigos dos mais prestigiados especialistas internacionais, tais como Paul Samuelson, autor do livro Economia da Era Pós-guerra; Martin Wolf, autor do livro “Por Que Funciona a Globalização e colunista do Financial Times; Paul Krugman, teórico do comércio internancional; Larry Summers, chefe do Tesouro dos EUA; e o anti-globalização e Prémio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, entre outros.

Confesso que, depois de muito ler, fiquei com mais incertezas do que tinha antes. Os contornos macroeconómicos, sócio culturais, ambientais, geoestratégicos e políticos existentes, são de uma complexidade sem limites e os especialistas entendem-nos e escrevem sobre eles, de forma diversa e por vezes antagónica, mas sempre argumentando persuasivamente as suas ideias.

Mas, quero-lhe dizer caro leitor que, na sua essência, as minhas convicções liberais não foram minimamente afectadas. Poderei mesmo dizer que, estas acabaram por sair reforçadas, pois acredito que só a liberalização alargada dos mercados, conjugada com a democratização do mundo e das suas instituições mais importantes, poderão trazer crescimento económico sustentável a cada vez mais regiões e mais bem-estar às suas populações.

A globalização pode continuar a funcionar como factor de crescimento em tempo de crise, apesar de, na base desta mesma crise, ter estado a globalização. À partida parece existir contradição no que acabei de referir, mas asseguro que não, senão vejamos:

O problema não está na globalização, mas sim na falta de novas instituições e de mecanismos que tornem a globalização de hoje mais eficaz, mais sustentável e mais justa. No dia 5 de Junho, neste espaço escrevi como se poderia travar a especulação dos mercados. Pois bem é daquele tipo de mecanismos controladores e reguladores a que me refiro.

O mundo precisa de mercados globais assentes em bases formais mais fortes e mais consensuais. Não existe uma autoridade anti-monopólio mundial, não há uma entidade reguladora dos mercados, as redes e sistemas de segurança mundiais são inexistentes e há ainda muita falta de democracia por esse mundo fora. Terão que se criar novas regras para a globalização continuar a ser a alavanca de diminuição da pobreza dos povos de todo o planeta. Estas regras deverão estar assentes em bases políticas fortes, em instituições apoiadas pelas elites mundiais mas simultaneamente e também com legitimidade popular. Deverão ser criados mecanismos de regulação e de compensação económica entre zonas do mundo.

Claro que, neste enquadramento, não poderia deixar de me referir às rivalidades internacionais. Os problemas de natureza geopolítica latentes são uma grande ameaça à globalização. Mas, mesmo assim acho que, actualmente, estamos numa situação muito menos complicada do que esteve o mundo na altura da grande recessão da década de 30. Recordo que nessa década, o crescimento do comunismo e do fascismo fragmentavam o globo. Hoje, em vez de rotura entre as maiores potências mundiais, enfrentamos uma ameaça alternativa – o mega - terrorismo. Neste âmbito, a globalização pode funcionar como uma arma de ataque e simultaneamente defensiva, contra o terrorismo. Como? Permitindo aos países interagirem potenciando o seu combate generalizado em toda a parte do planeta, e por outro lado, porque o desenvolvimento gerado trará o bem-estar das populações a cada vez áreas mais alargadas do globo, agindo deste modo dissuasivamente ao seu espalhamento.

Os interesses proteccionistas dos estados, manifestados através da atribuição de subsídios a sectores da indústria e da agricultura, a limitação do mercado de exportações, o apoio camuflado a grandes grupos económicos, tantas vezes também eles monopolistas, são uma das maiores ameaças à globalização e ao crescimento económico sustentável ao nível do planeta. Há que criar regras limitadoras deste tipo de poder camuflado que gera desajustamentos económicos de larga escala, desvirtuando as regras de mercado. Também deverão ser criados mecanismos que prevejam, controlem e que produzam resultados que possibilitem que os seus efeitos, ao produzirem-se sejam drásticamente atenuados e não se repliquem no mercado global.

Será do interesse de todos os estados, como dos seus cidadãos, participar em regimes e instituições baseadas em tratados internacionais que forneçam bens públicos globais, incluindo mercados abertos, protecção ambiental, saúde e segurança internacional. A necessidade de defesa da integração económica internacional, juntamente com defesas finanças públicas sãs, estabilidade macroeconómica, estabilidade financeira, investimentos adequados na educação, saúde e infra-estruturas, encorajamento para a inovação e sobretudo, mais e melhores Estados de Direito.

Será necessário criar um credor global de último recurso e os países e os mercados devem aprender com os seus próprios erros, sendo que a comunidade global deverá ter capacidade para intervir onde os Estados falharam por completo.
Serrone

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Recessão à vista na Zona Euro



Países da Europa em risco de recessão económica:


-A Dinamarca entrou em recessão técnica no 1.º trimestre de 2008.
-A Espanha e a Irlanda são dois países em abrandamento económico muito acelerado devido à crise do mercado imobiliário e ao aumento das taxas de juro, na sequência do suprime.
-A Grécia e Portugal são das economias da zona Euro mais endividadas e dependentes do financiamento estrangeiro, sendo que, no caso de Portugal, há a agravante de ser um país pequeno, periférico e dependente do comércio externo dos seus parceiros que, também eles estão em risco.
Debaixo do espectro da recessão, as economias europeias têm sofrido nos últimos meses um acentuado abrandamento económico. A subida das taxas de juro por um lado e por outro o fortalecimento progressivo da moeda única europeia, estão a diminuir a competitividade das exportações dos produtos produzidos na União Europeia.


Nota: Os economistas falam em recessão quando o crescimento económico (crescimento real do PIB) é negativo em dois trimestres consecutivos.


A pressão inflacionista provocada pelo aumento dos preços dos combustíveis e do preço dos alimentos alargar-se-á aos salários e tal provocará a tendência de se continuarem a aumentar as taxas de juro. Fruto de toda esta instabilidade, o investimento tenderá também ele a diminuir de forma acelerada nos próximos meses. Estaremos nessa altura prestes a assistir ao fenómeno económico que os especialistas denominam de “estaglação” (inflação elevada combinada com uma estagnação do crescimento económico).

Esta radiografia actual e sumária da economia da Europa, como sabemos, resultou em grande parte da “falência” de um sistema económico mundial, demasiado dependente de mercados puramente financeiros que, uma vez em crise, abriram chagas profundas na procura e gestão dos recursos energéticos do planeta e revelaram o resultado de políticas erradas durante décadas, no que se refere à produção e distribuição alimentar aos povos do planeta.


De todo o lado surgem incertezas quanto ao futuro porque todos sabem que estão reunidos um conjunto de factores ímpares geradores da actual crise mundial, de difícil previsão quanto à sua evolução.
Porém, na mente de todos nós pairam algumas certezas:
-a terceira crise petrolífera é definitiva, pois não haverá margem para existir mais nenhuma. Outras fontes energéticas terão que substituir no médio prazo (dez anos) para que o velho petróleo perca a sua hegemonia.
-os mercados financeiros terão que estar regulamentados e controlados com regras precisas que limitem riscos/ganhos excepcionais e dotados com procedimentos punitivos para os prevaricadores.
-precisa-se de uma nova geração de políticos reformistas e humanistas a governar o mundo, porque a velha classe política populista e tecnocrata já deu mostras do que é capaz levando a humanidade à beira do abismo.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Travar a especulação


A especulação internacional financeira “altera” de forma propositada as regras de mercado de modo a criar altos rendimentos aos investidores. Embora, sempre tenham ocorrido práticas especulativas nos mercados internacionais, temos assistido recentemente a um crescimento sem controlo de investimentos de capitais em matérias-primas, em detrimentos de investimentos mais tradicionais, designadamente em fundos imobiliários.

Procuram-se obter avultados e sucessivos lucros financeiros no mais curto espaço de tempo, tirando-se o maior partido possível da inflação gerada.
Compra-se o produto a um preço dito “de mercado” e, depois não se tem que esperar muito, porque o ciclo inflacionário em curso leva à procura desenfreada e a novas subidas do preço. Basta por isso escolher o momento da venda que for mais lucrativo e que permita disponibilizar novos recursos financeiros para uma nova aplicação.


O que acabo de referir está a passar-se a nível global com o petróleo, com o arroz e com o milho. Grandes investidores de todo o mundo deliberadamente e por ganância, estão a investir avultadas somas nestas matérias-primas e a provocar a turbulência nos mercados, desvirtuando as leis da oferta e da procura. Muitos deles são precisamente os fundos que perderam fortunas com a crise do suprime e que agora querem recuperar das perdas.


Só que estes produtos não são prédios mal alicerçados em dólares em crescente instabilidade. São produtos de uma importância estratégica inquestionável para o mundo, sendo que, os cereais, tais como o arroz e o milho se constituem como a base da alimentação daqueles que vivem na pobreza extrema. Também a subida do preço do petróleo está a levar as economias de todos o mundo a um abrandamento e a uma crise económica global. Quando isto acontece, nos países em desenvolvimento, ou mesmo ricos, são as populações mais pobres e com menos recursos que sofrem mais.

Será tudo isto uma consequência da liberalização dos mercados? Claro que não. Lamento desiludir quem porventura estaria à espera de uma minha manifestação antiliberal.

Mais uma vez, o problema não está na base das políticas macroeconómicas, mas sim na falta de vontade e de capacidade dos governos dos países mais poderosos em actuar atempadamente nos mercados. Muitos dirão que será demasiado complicado agir, ou que será impossível fazê-lo. Resignam-se à má sorte, adoptam políticas internas desajustadas que até podem agravar a crise, ou simplesmente ficam à espera que aconteça um milagre que inverta a tendência do ciclo económico. Outros ainda irão aproveitar a ocasião para querer ressuscitar e justificar ideias de totalitarismos e politicas de esquerda socialista, há muito falidas.
Meus amigos, a palavra certa, a "ideia chave" que poderá travar a especulação é regular. Regular os mercados e punir severamente os infractores. Regular não é intervir para alterar as leis de mercado. É precisamente o contrário, intervir para fazer cumprir as leis de mercado, para que estes possam funcionar livremente sem o espectro da especulação. Comprará quem precisa e venderá quem tem para vender matérias-primas de primeira necessidade para o mundo.

Se os poderosos deste planeta, os G7 e todas as organizações internacionais com responsabilidades estratégicas no equilibrío económico e social das nações, FMI, Nações Unidas e outras, não tomarem a iniciativa de REGULAR e PUNIR os infractores, restabelecendo a ordem económica/financeira mundial, iremos assistir a uma crise global sem precedentes, porque a globalização que ajuda a distribuir riqueza, mais facilmente e rápidamente irá contribuir para o aumento da pobreza e da desagregação e colapso do tecido social já débil.

Serrone

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Crise....De quem é a culpa?

Sempre acreditei na economia global de mercado. Não conheço alternativa aos regimes democráticos e acredito que o mercado pode não ser uma condição suficiente para a existência de democracia, mas é, no mínimo, uma condição necessária.

Assistimos no final do século passado à falência dos regimes socialistas que assentavam numa economia planeada e na propriedade estatal. Temos assistido com frequência a insucessos económicos, sempre que os estados adoptam uma política demasiado interventiva na economia, fechando esta, ou simplesmente limitando a sua livre e regular actividade.


Em contraponto temos verificado o sucesso das políticas económicas adoptadas pelas democracias liberais, baseadas nos mercados abertos e de livre concorrência. As maiores potências económicas do mundo actual, os Estados Unidos e a União Europeia, são a prova e constituem-se como bons exemplos do que estou a falar.


O efeito globalização é contrário à fragmentação dos mercados. Ele actua ao contrário da lógica imposta pela actual divisão geopolítica dos estados e, nessa medida, esperava-se que o fenómeno da globalização também permitisse às economias mais débeis, colher os benefícios provenientes do estabelecimento de relações com as economias mais desenvolvidas. Na verdade, sempre que acontece o crescimento económico das maiores economias, verifica-se também um efeito de arrastamento positivo na generalidade das economias dos países em desenvolvimento.


Anne Kruger, directora adjunta do Fundo Monetário Internacional, em 2000 definiu a globalização como um “fenómeno através do qual os agentes económicos, onde quer que estejam no mundo, são muito mais afectados por eventos em outra parte do mundo” do que antes.


A questão é que essa afectação tanto pode ser positiva como pode ser negativa. No tempo de crescimento será de esperar que a afectação seja positiva. O contrário parece estar acontecer, agora que as economias mais fortes abrandam ou entram em recessão. A economia americana está tecnicamente em recessão, embora por razões estritamente políticas interna e de protecção dos próprios mercados, tal ainda não tenha sido confirmado pela administração Bush. Mas, a verdade é que os efeitos das fracas prestações económicas dos Estados Unidos da América são sentidos um pouco por todo o mundo. Os mercados internacionais agem com incerteza e desconfiança às suas fracas performances e à desvalorização do dólar, provocando uma onda de contenção no investimento.


Os mercados procuram adaptar-se a uma nova conjuntura internacional. Os recursos monetários disponíveis passaram a ser preferencialmente investidos, em produtos facilmente transaccionáveis e de menor risco, também de rápida valorização, tais como bens alimentares e petróleo.


Neste fórum já abordámos a problemática do efeito da especulação nos bens atrás referidos. Já vimos aqui em que medida o equilíbrio da oferta e da procura, tem sido afectado pelo rápido crescimento das economias emergentes e também já nos referimos ao impacto social e político dai resultante.


Todos ouvimos diariamente na comunicação social novas notícias de existência de problemas humanitários que se vão agravando um pouco por todo o mundo, devido à crise. Mesmo nos países mais desenvolvidos, assiste-se a um crescimento de problemas sociais graves em famílias com menor recursos ou pertencentes à classe média com alto grau de endividamento.
Ninguém ainda sabe ou pode prever no tempo o fim deste ciclo e em que medida é que a crise se pode agravar e alastrar.


Mas então o que é que está a falhar? Será que a economia de mercado não consegue responder aos novos desafios? O problema estará na democracia liberal ou na social-democracia? Será a globalização responsável pela crise? O que pode ser feito para atenuar os efeitos da crise? Como devem os estados responder aos novos desafios da humanidade?


Com o “correr da pena”, apetecia-me continuar a desenvolver este tema, procurando dar já as respostas às perguntas que deixei ficar. Mas, propositadamente vou aguardar, para permitir a si, caro leitor, dispor de tempo para poder dar a sua opinião. Certamente que este espaço ficará enriquecido com o debate de ideias, mesmo que contraditórias.
Serrone

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Efeitos do Aquecimento do Planeta:

O ser humano está a influenciar o clima através de crescentes emissões de gases de estufa e o crescente aquecimento do planeta está a ter um impacto nos sistemas físicos e biológicos à escala global.

Pela importância e por ser extraordinariamente relevante, vou transcrever na íntegra um artigo do jornal diário “O Público”.

15.05.2008, Ana Gerschenfeld
Um pouco por todo o mundo, sistemas físicos e biológicos estão a ser substancialmente afectados pela subida das temperaturas provocada pelas actividades humanas, conclui hoje um mega-estudo na Nature.

A conclusão não é inesperada: em 2007, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas já tinha declarado que grande parte do aquecimento global se devia muito provavelmente ao aumento das emissões de gases de estufa pelos homens - e que as consequentes alterações climáticas iriam provavelmente ter efeitos visíveis nos ecossistemas do planeta. Até agora, os inúmeros estudos realizados debruçavam-se sobre fenómenos isolados e a escalas bastante locais. O novo estudo vai mais longe pois, pela primeira vez, reúne num único "meta-estudo" cerca de 30 mil conjuntos de dados, fornecendo uma visão global do que está a acontecer.
Cynthia Rozenweig, do Instituto da Terra da Columbia University, e uma equipa internacional de investigadores, analisaram os estudos publicados, a partir de 1970, sobre um total de 829 sistemas físicos e cerca de 28 mil sistemas animais e vegetais. Olharam para coisas como a diminuição dos glaciares em todos os continentes; a fusão do permafrost; o degelo precoce dos rios na Primavera ou o aquecimento das massas de água. Do lado dos seres vivos, os efeitos incluíam o florescimento precoce das plantas, as deslocações de espécies vegetais para latitudes e altitudes mais elevadas no Hemisfério Norte, as mudanças nos padrões de migração das aves na Europa, América do Norte e Austrália; e a evolução do plâncton e dos peixes nos oceanos, que de espécies de águas frias estão a transformar-se em espécies adaptadas a águas mais quentes.
Resultado: nos sistemas físicos, 95 por cento das mudanças observadas são compatíveis com o que seria de prever num cenário de aquecimento global. E nos sistemas biológicos, o mesmo vale para 90 por cento das mudanças observadas. "O ser humano está a influenciar o clima através de crescentes emissões de gases de estufa", escreve Rozenweig num comunicado da sua universidade, "e o crescente aquecimento do planeta está a ter um impacto nos sistemas físicos e biológicos à escala global"
Os cientistas constataram que as alterações eram mais marcadas na América do Norte, Ásia e Europa, algo que, afirmam, acontece principalmente porque a grande maioria dos estudos foram realizados nessas regiões. Mas tudo indica que em regiões como a América do Sul, Austrália e África, apesar de as mudanças estarem menos documentadas, a realidade não é diferente. Os autores salientam ainda que os efeitos do aquecimento global ultrapassam de longe outros efeitos, mais modestos, da actividade humana, como a desflorestação e outras alterações na utilização dos solos.
90% das mudanças observadas nos sistemas biológicos são compatíveis com o aquecimento global, revela o estudo.

Texto públicado no Jornal o público do dia 15 de Maio de 2008

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Com que direito?

1,5 milhões de pessoas terão sido afectadas pelo ciclone Nargis que atingiu Myamar, o mais devastador de toda a região desde 1991, quando perderam a vida 143.000 pessoas no Bangladesh.

Myamar (antiga Birmânia) é governada por uma ditadura militar xenófoba e autárcica desde 1962, após um golpe de estado que vitimizou cerca de 3000 pessoas.

A Birmânia possui no seu território o importante gasoduto birmanês de Yadana e é precisamente este e os projectos ligados ao gás que têm mantido o regime militar no poder, possibilitando a compra de armas e munições e o pagamento dos seus soldados.

Os monges budistas, os principais opositores internos ao regime, são massacrados e presos perante a passividade dos poderosos do mundo. A isto não será alheio certamente o facto de o gasoduto ser controlado pelas gigantes multinacionais petrolíferas norte-americana e francesa, respectivamente Chevron e Total.

No jornal Público de hoje, é referido em primeira página que o “governo Birmanez esta a pôr entraves ao envio de ajuda humanitária internacional.” e que os “militares mostram a sua verdadeira face, o desprezo pelo sofrimento do povo”.

Mas que mundo é este que teima em respeitar a legitimidade de um governo auto proclamado, que mata milhares de seres humanos, que oprime e maltrata outros milhares, que os escraviza (na construção da gasoduto) e que os prende sem culpa formada apenas porque manifestaram a sua oposição à ditadura?

Agora, depois de um cataclismo, 1,5 milhões de pessoas necessitam de ajuda imediata, a comunidade internacional cria uma onda de solidariedade e não pode chegar às vítimas com a celeridade precisa, porque os ditadores colocam entraves?

Que mundo é este onde vivemos? Basta! Temos todos a obrigação de dizer, basta!
O mundo não irá sobreviver se o poder exercido pelos homens continuar a ser manipulado e condicionado por outros interesses que não coloquem os seus povos e a humanidade no seu todo em primeiro lugar.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Este mundo louco que os homens têm construido

Vivemos num mundo cada vez mais global e conturbado, em que os mercados reagem facilmente às leis da natureza e em que os homens vão alterando a natureza para satisfazer as leis dos mercados. No entanto, natureza e mercados, parecem estar cada vez mais no fio da navalha.
Já ninguém tem dúvidas que se estão a verificar alterações climáticas importantes devido ao aquecimento global provocado pelo agravamento do efeito de estufa, causado entre outros factores pela queima progressiva ao longo de décadas, de petróleo, carvão e gás. Segundo cientistas da ONU, não há dúvidas que a humanidade têm contribuído para o aquecimento global, não se conhecendo ainda exactamente em que proporção.

O que se sabe e se perspectiva é que as alterações climáticas para o século 21, irão causar futuras mudanças irreversíveis e em larga escala, nos sistemas do planeta, resultando em impactos de escala continental e global. Quero dizer que é previsível a ocorrência de cataclismos “naturais” cada vez mais frequentes.

No princípio deste ano, a Organização de Alimentação e Agricultura estimava que Myanmar exportasse em 2008, 600 mil toneladas de arroz. Entretanto, como se sabe, Myanmar foi atingido por um ciclone que destruiu as suas plantações e matou cerca de 60 mil pessoas (número ainda não confirmado). Devido ao cataclismo as exportações do país poderão ser afectadas e poderá ser necessário recorrer à importação daquele cereal.

"Os estragos do ciclone em Myanmar vão reduzir a oferta de arroz, especialmente na Ásia, afirmou o analista Takaki Shigemoto da Okachi & Co. citado pela Bloomberg.” “A verificar-se esta ocorrência, a oferta poderá ser insuficiente para a procura mundial, o que impulsionará os preços do arroz, elevando os riscos de fome para mil milhões de asiáticos, afirmou Haruhiko Kuroda, presidente do Banco de Desenvolvimento Asiático na passada segunda feira.”

Este cenário de especulação motivou já, pelo quarto dia consecutivo, que o arroz fosse negociado em alta.

Infelizmente, este é um bom exemplo do que poderá vir a acontecer com mais frequência no futuro próximo, a que não será certamente alheio:
-Os desequilíbrios económicos e sociais alimentados durante séculos por conveniência dos poderosos do mundo.
-O desenvolvimento económico dos estados ocidentais efectuado sem regras e sem respeito pelas leis da natureza.
-Mais recentemente o crescimento económico galopante das economias emergentes que se está a executar com os mesmos erros cometidos pelos povos ocidentais.

O homem com a sua ganância desmesurada, cego e insensível à natureza, à miséria, à pobreza extrema e precariedade social, conduzirá o mundo a um ponto sem retorno cada vez mais próximo e previsível.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Até quando pode durar a crise do petróleo?

A crescente procura deste produto, será acompanhada pelos produtores?

Segundo a FMI a produção dos países da OPEP deverá manter-se, enquanto os países produtores não pertencente a esta organização, aumentará entre 0,8-1 milhões de barris diários, o que será insuficiente para satisfazer o aumento da procura que em 2008 atingirá os 1,8 milhões de barris diários.

Por outro lado, ninguém tem dúvidas que as incertezas geopolíticas vão continuar no futuro próximo. Os recentes ataques de rebeldes às instalações de exploração de petróleo da Shell na Nigéria, fez com que este país começasse a produzir abaixo das suas capacidades, o que se deverá manter nos próximos meses. O Irão, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, acabou de anunciar que vai continuar com o seu programa nuclear. Uma decisão que inevitavelmente irá provocar mais incertezas no mercado e favorecer a especulação.

Todas as conturbações geopolíticas arrefecem os ímpetos dos investidores para incrementarem os seus investimentos nessas regiões do mundo, limitando deste modo a possibilidade de aumentar no futuro próximo a oferta, para poder vir a equilibrar a procura crescente.

Outros factores que têm estado na formação e manutenção da crise actual, deverão manter-se nos tempos mais próximos, tal como a depreciação do dólar americano e os seus efeitos na lei da oferta e da procura. Vejamos como funciona:
O dólar mais barato implica menor receita para os produtores, uma vez que a maior parte das transacções fazem-se com a utilização desta moeda. Para minimizarem a redução do lucro, estes acabam por ir aumentando os preços de venda do crude. Do lado da procura, o dólar mais barato favorece o aumento da procura, por parte daqueles que possuem outras moedas que se ncontram valorizadas em relação ao dólar.

O FMI estima que o preço do petróleo em 2009 e 2010 irá aproximar-se de valores próximos dos 100 dólares, mas abaixo deste patamar de custo. Esta situação só deverá acontecer dizem os analistas se o arrefecimento da economia americana se transmitir às economias emergentes. Estamos a falar na possibilidade de um abrandamento com algum significado das maiores economias à escala planetária.

A ser assim, facto que até se compreende, será para dizer, entre um cenário e outro, venha o diabo e escolha.

domingo, 4 de maio de 2008

A crise do petróleo


Perceber a crise através do nosso bolso:


Há um ano atrás encher um depósito com 50 litros de gasóleo era mais barato 13,15€ (menos 24,795) e encher um depósito com 50 litros de gasolina sem chumbo 95 era mais barato 5,75€ (menos 8,62%).
No dia 30 de Abril, o preço dos combustíveis atingiu um nível recorde no nosso país, com gasolina a ser vendida a 1,449€ e o gasóleo a chegar aos 1,324€.
A cotação de referência para Portugal da gasolina nos mercados internacionais subiu 26,7% nos últimos 12 meses em dólares, e apenas 10,5% em euros. Mas na verdade, o preço só subiu 8,62%. Quer isto dizer que a subida dos mercados ainda não está reflectida nos postos de abastecimento, sendo que no caso do gasóleo ainda se acentua mais esta diferença: enquanto o gasóleo aumentou 24,8% nos mercados internacionais só 12,3% de aumento se fizeram sentir no consumidor do mercado português. Estas diferenças parecem mostrar que ainda existe margem para os preços aumentarem.
Encher um depósito de gasóleo em Portugal é mais caro que encher um depósito de gasolina em Espanha. Como se sabe o peso dos impostos no preço final dos combustíveis é brutal em Portugal. Só para se ter uma ideia, o litro de gasolina custa menos de 60 cêntimos e o litro de gasóleo não chega aos 70 cêntimos.
A fiscalidade portuguesa atribui aos combustíveis, uma parte fixa (impostos sobre produtos petrolíferos) e outra variável (IVA a 21%). Será esta última aquela que mais beneficia as receitas do estado porque quanto mais caro é o combustível mais IVA é facturado.
O que se passa afinal com o petróleo? Há falta deste produto no mercado?
“Não há falta de petróleo. Há a convicção de que ele pode vir a faltar”. A subida em flecha dos preços do crude pode ser explicada com esta simplicidade. A crescente procura dos países emergentes, as tensões geopolíticas, a desvalorização do dólar e como não poderia deixar de ser a especulação dos mercados são os factores que explicam a crise.
Só para se ter uma ideia, a especulação representa mais de 20% do preço actual do barril de crude que anda perto dos 120 dólares em Nova Iorque.


Mas afinal o que é a especulação de que tanto se fala?


É a parte financeira da questão. Os fundos de investimento estão ávidos em criar mais-valias financeiras aos investidores, depois da crise americana no investimento imobiliário que se revela agora de alto risco. Apostam por isso em reforçar os bens mercantis, como alimentos e petróleo, condicionando artificialmente os preços destes bens. A especulação não irá dar tréguas enquanto o dólar se mantiver fraco, o que nos faz ter poucas esperanças do barril voltar a ter preços abaixo dos 100 dólares.



Até quando o governo irá fazer de conta que nada se passa?


Sendo os combustíveis uns dos factores de produção mais importantes para a generalidade da economia, torna-se incompreensível a atitude do governo português que prefere continuar a obter acréscimos sucessivos na receita, através da cobrança do IVA sobre os aumentos do preço impostos pelas gasolineiras, ao invés de baixar o imposto sobre os combustíveis.
Com esta forma de governar, lá se vai arranjando mais uns balões de oxigeno para salvaguardar o défice, não vá aparecer mais algumas despesas de última hora, fazendo de conta que aqueles que vão criando ainda alguma riqueza neste país, estão sólidos que nem uma rocha e que a economia vai de vento em popa.


Serrone, dia 4 de Maio de 2008

A crise dos alimentos

Nenhum dos países do globo está a salvo, porque ninguém pode deixar de se alimentar. É claro que serão os países mais pobres os que mais irão sofrer com esta crise, desde há muito anunciada, mas ignorada principalmente por todos aqueles que tinham o poder e a obrigação de a evitar: os países mais ricos e poderosos da Terra.
Mais de metade da população mundial (mais de 3 mil milhões de pessoas) vive com menos de dois dólares por dia para comprar alimentos. Os pobres gastam 80% a 90% do seu rendimento na alimentação, os ricos apenas gastam 10 a 20%. Estes números fazem toda a diferença. A fome atinge hoje 854 milhões de pessoas, número que poderá aumentar rapidamente para mil milhões devido à crise alimentar que estamos a assistir.
Um economista da Universidade de Chicago, citado pela revista o Economist, revelou que o aumento de um terço no preço dos alimentos reduz em três por cento o nível de vida nos países mais ricos e em 20% nos mais pobres.
Nesta primeira década do século vinte e um, estão criadas as condições para se acentuarem ainda mais as desigualdades entre países ricos e pobres. Em alguns países em desenvolvimento a falta de alimentos e a fome geram protestos crescentes que agudizam as relações entre governos e populações, levando estes últimos a fechar as exportações num cenário de escassez de oferta.
Na zona Euro a variação homóloga dos preços dos alimentos em Março deste ano relativamente ao igual período do ano transacto, sofreu um acréscimo de 3,6 pontos percentuais (de 2,6 para 6,2).

Preços dos alimentos na Europa poderão subir 39% este ano.

Segundo a Comissão Europeia, em vez do aumento médio de 10% previsto em Outubro último, as provisões apontam agora para um aumento médio na ordem dos 39%.O pior irá passar-se no segundo semestre deste ano, prevendo-se para este período um salto homólogo superior a 54%.
As razões apontadas pela Comissão Europeia: aumento da procura destes bens na China e na Índia e o papel cada vez maior de factores temporários, como a especulação nos mercados e as alterações climatéricas.

Mas afinal. o que está por detrás da crise?


-Agricultura abandonada devido a um desinvestimento de décadas neste sector na generalidade dos países do mundo.
-Décadas de preços artificialmente baixos e mercados distorcidos.
-Procura crescente por parte das economias emergentes, encabeçadas pela China e pela Índia, devido ao aumento do nível de vida daquelas populações.
-Subida dos custos de produção por causa da subida do barril de crude nos mercados.
- Procura crescente dos cereais para produção de etanol (bio-combustível).
-Baixa do preço do dólar.
-Muita especulação nos mercados de transacção.


As alterações climáticas


O clima é outro fator que reduziu a quantidade de alimentos produzida no mundo, segundo relatório da ONU divulgado recentemente.
As condições climáticas desfavoráveis devastaram culturas na Austrália e reduziram as colheitas em muitos outros países, em particular na Europa, segundo a FAO.
Segundo as previsões da FAO, as reservas mundiais de cereais caíram para o seu nível mais baixo em 25 anos com 405 milhões de toneladas em 2007/08, 5 % (21 milhões de toneladas) abaixo do nível já reduzido do ano anterior.


Especulação dos mercados


"Só os fundos de investimento em matérias-primas cotados na bolsa de Chicago controlam um valor recorde de 4,5 mil milhões de galões de trigo, milho e soja, ou seja, metade do total armazenado nos silos norte-americanos. Os investidores aceleraram as compras de cereais em 29% em 2007, como forma de compensar as perdas nos mercados accionistas e no dólar, decorrentes da crise do ‘subprime’. " A especulação veio agravar a pressão já existente sobre os preços, justificada inicialmente por causas estruturais. Os economistas estimam que os preços dos alimentos dificilmente poderão retornar aos valores de 2005 e que pelo menos durante a próxima década a crise se poderá manter.

O aumento galopante dos preços do petróleo e a crise dos alimentos são identificados como o maiores factores de risco para a inflação da zona euro.

Mas infelizmente em vias de desenvolvimento, a factura a pagar será maior. "No Bangladesh, por exemplo, mais de 500 mil militares passaram a comer batatas para diminuir a procura por arroz e trigo; no Egipto, em Marrocos, no Peru ou no Haiti os governantes enfrentam motins e protestos populares contra a escassez de alimentos básicos."Estamos a assistir a um fenómeno global ao qual ninguém deverá e ficar indiferente. Num futuro imediato mais de cem milhões de pessoas correm o risco de pertencer ao grupo dos seres humanos que passam fome e que correm risco de vida.

Como eu admiraria os governantes poderosos deste planeta, se tirassem dos orçamentos de defesa verbas avultadas para ajudar aqueles que mais precisam, independentemente da sua raça, crença religiosa ou cor política.

Serrone, 4 de Maio de 2008