Quem estudou ou simplesmente se interessa por economia, sabe perfeitamente que esta ciência assenta em dois postulados fundamentais (racionalidade e equilíbrio) e que o problema económico se resolve por mecanismos próprios, a saber: pela tradição (regras básicas de convivência em sociedade), pelo Estado (regulador) e pelo mercado (no qual se verifica a relação livre e directa dos agentes interessados estabelecendo um equilíbrio entre si). Um sistema económico baseado só em dois dos referidos mecanismos dificilmente poderia funcionar, já dizia Adam Smith (1723-1790).
Quando analisamos os acontecimentos que tiveram na génese da actual crise financeira/económica mundial, percebemos facilmente que, várias das regras básicas da ciência económica foram sistematicamente violadas e que, por isso mesmo, outro resultado não seria de esperar, senão o desenlace na actual crise. As grandes instituições financeiras americanas criaram produtos financeiros de alta rendibilidade e de grande vulnerabilidade. Numa fase de crescimento económico, concederam créditos imobiliários sobreavaliados com taxas de juros elevadas, a clientes em situação de precariedade de trabalho, sem poder económico e sem possibilidade de oferecerem garantias adicionais de cumprimento das suas obrigações contratuais.
Poder-se-á facilmente compreender que, na base da decisão dos bancos, não estiveram presentes os princípios da racionalidade e do equilíbrio. Repare-se que, uma escolha é considerada irracional se um agente, deliberada e conscientemente, entre duas alternativas possíveis, seleccionar aquela que sabe ser a que considera pior. Não sejamos ingénuos. Os líderes daquelas instituições, muitos deles formados Harvard e noutras das melhores escolas americanas, sabiam perfeitamente que os produtos financeiros que criaram, tinham apenas como objectivo a obtenção de rácios de rendibilidade imediatos, que lhe garantiam a eles próprios avultados prémios, com os quais construiriam enormes fortunas pessoais. Conheciam claramente o risco de violação dos contratos de crédito concedidos e as consequências para as suas instituições a médio e longo prazo. Por essa razão (não só por questões de financiamento), resolveram vender parte desses créditos a outras instituições nacionais e internacionais, através de fundos imobiliários, como forma de mitigarem o risco.
Neste contexto, podemos identificar outros agentes que contribuíram para a crise: - os investidores, especuladores das bolsas ("jogadores de roleta, agentes parasitários"), que enriqueceram fora do contexto da economia real. Também eles agiram em contraponto aos valores da ética, desrespeitando as regras da civilidade.
O Estado (Administração Bush), cujas decisões influenciam directa e indirectamente não só a USA mas o resto do mundo, preferiu também privilegiar o desenvolvimento de políticas económicas que visassem a obtenção de resultados no curto prazo, em detrimento dos resultados de médio e longo prazo. A Administração Bush tentou tirar aproveitamento político dos efeitos do enorme crescimento do mercado imobiliário, muito dele, fruto dos créditos "Suprime", mesmo sabendo da sua insustentabilidade e da previsível desvalorização do produto a estes associados.
Os analistas e especialistas económicos ao serviço da administração Bush, conheciam certamente os riscos e possíveis consequências do crédito mal parado e os seus efeitos contaminantes nos mercados financeiros em geral e também, a possibilidade da economia real ser afectada e os USA entrarem em recessão. Entusiasmados com o crescimento económico, cometeram um erro de cálculo de previsões da chegada da crise. Pensavam ele que os seus efeitos chegariam mais tarde, possivelmente depois das eleições presidências.
O Estado não desempenhou o seu papel de agente económico regulador e de garantia de sustentabilidade dos mercados, por hipocrisia e irresponsabilidade política. Bush teve igual a si próprio e o mundo há muito tempo não conhecia tanta anarquia e tanto despotismo, e por isso tanta desconfiança.
Todas as medidas que venham a ser implementadas para restituir a confiança, poderão até ter algum resultado imediato junto dos especuladores da bolsa, de alguns investidores e no mercado interbancário, mas duvido que, tão depressa chegue ao consumidor comum. Tenho alguma esperança que o cidadão comum finalmente tenha percebido que, é ele quem vai sofrer mais os efeitos da crise e também que, é ele quem mais vai contribuir com os seus impostos para pagar a maioria das medidas que têm sido anunciadas para tentar restabelecer a confiança aos mercados. Percebeu ainda, até onde pode chegar a ganância dos líderes das instituições financeiras e a ambição dos líderes da política, mesmo que estes últimos estejam encapuçados pelo disfarce da democracia.
Só teremos crescimento económico verdadeiro, gerador de riqueza real sustentável, quando finalmente houver mais economia e menos "finanças" e quando todos os agentes cumprirem os princípios económicos de Adam Smith. Nessa altura o mundo não poderá ser governado por gente como Bush e as principais instituições financeiras não poderão ter como gestores gente sem escrúpulos.
Serrone
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