sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2009, o Ano da Incerteza


Duvido que algum analista, economista ou macroeconomista, possa traçar tendências, comprometer-se com previsões e fornecer expectativas económicas, assegurando probabilidades de ocorrência consistentes para os próximos vinte e quatro meses.


Vivemos em tempos de grande incerteza económica, disso ninguém tem agora a mais pequena dúvida. Há precisamente um ano, pairava a esperança que os efeitos do credit crunch ficassem restringidos ao sistema financeiro e que as empresas e a economia real não seriam afectadas. Em Outubro, em plena crise financeira, a OCDE previa que nas economias líderes, o investimento empresarial cairia na primeira metade de 2009 e recuperaria ligeiramente na segunda metade. Estas previsões assentavam num cenário de recessão ligeira, cada vez mais, considerado demasiado optimista face aos sinais macroeconómicos que sucessivamente se vão conhecendo. A maior parte das economias desenvolvidas do mundo ocidental começam o 2009 em recessão, mostrando grandes dificuldades para manter a actividade económica. A economia americana, a maior do mundo (representa 21% do PIB global), está a lutar contra a maior crise de confiança desde a Grande Depressão. As economias emergentes apresentam sinais de abrandamento e um crescimento mais lento que num passado recente.


As medidas inéditas e sem precedentes que os diversos Estados têm implementado para repor a confiança, desbloquear o acesso ao crédito, injectar liquidez nos bancos, garantir depósitos e as dividas institucionais, ainda não dão provas de poderem assegurar a inversão da trajectória e a retoma do crescimento económico.


Os Estados sentem-se cada vez mais tentados a recorrer ao proteccionismo junto de segmentos económicos de grande empregabilidade, numa luta sem tréguas para evitar o agravamento do sistema, o aumento de falências, a diminuição do poder de compra das famílias e consequente o aumento dos níveis de degradação social. Estas acções não são isentas de riscos e poderão, também elas, ter consequências colaterais a médio e longo prazo, não só no aumento dos défices já demasiados altos de alguns países, mas também ao nível dos mercados, pois poderão surgir novas barreiras comerciais que impeçam a liberalização económica, que continuo a considerar factor imprescindível para se estimular o crescimento.


A desconfiança persistente junto dos agentes económicos, está ainda longe de chegar ao fim. Na verdade, tudo é ainda muito recente. A bolha financeira rebentou há cerca de três meses e o sistema financeiro, apesar de muito injectado, senão ainda doente, encontra-se na melhor das hipóteses em estado de convalescença.


A contaminação da doença financeira na economia real, que por si só já se encontrava em estado deplorável no mundo ocidental, a meu ver, ainda mal começou a fazer-se sentir. As dificuldades das empresas em recorrerem ao crédito, apesar das medidas e dos incentivos dados pelos Estados junto da banca, está a aumentar. Verifica-se uma maior dificuldade das empresas manterem os níveis de investimento que tinham. Muitas das organizações empresariais vão ter necessariamente de se refinanciar durante o ano de 2009, para manterem a sua actividade e assim sobreviverem à crise. Muitos destes refinanciamentos, relacionam-se com as próprias dividas a vencer durante o ano, o que dificulta mais ainda, não só a posição dos investidores, mas também a da própria banca.

As taxas de incumprimento das empresas junto das instituições financeiras estão a acentuar-se, aumentando por sua vez as perdas de crédito dos bancos. Uma sucessão de incumprimentos poderão ter um efeito multiplicador e abrir novos buracos no sistema financeiro já debilitado.


O segmento imobiliário que esteve na origem desta crise epidémica, está a mostrar sinais alarmantes de abrandamento e a revelar “rastilhos ainda acesos “ demasiadamente perigosos para as receitas dos bancos. Não só devido ao incumprimento de promotores imobiliários que não vendendo imóveis, terão maiores dificuldades em cumprir as suas obrigações, mas também, porque tendencialmente, existirão mais famílias que irão entrar em incumprimento no que se refere ao pagamento das prestações dos contratos de crédito concedidos para aquisição de casa própria.


Tudo isto, apesar das taxas de juros se apresentarem, neste início de ano, com os valores mais baixos de sempre, facto este por si só, reconhecidamente não traz benefícios directos à banca e que se sabe não ser do seu interesse manter.


O acesso aos créditos pessoais para aquisição de automóveis e de outros bens de consumo, está cada vez mais dificultado, porque os bancos, com menos liquidez e com receios de novos incumprimentos, mostram-se cada vez mais cautelosos.


A banca, tendencialmente, tudo indica, irá ela própria diminuir substancialmente o volume de negócios, acentuando os sinais evidentes de recessão económica. O sistema financeiro está a lidar neste momento com grandes níveis de incerteza, transmitindo este sentimento ao resto da economia.


Por outro lado, todos percebemos a razão, os agentes económicos continuam a desconfiar dos sistemas reguladores e supervisores. Estes falharam e continuam a falhar, facto evidenciado pela sucessão de escândalos que se têm tornado públicos, citando apenas como exemplo, o recente caso Bernard Madoff.


Quando tempo vai durar ainda a desconfiança? Que medidas terão ainda que se tomar para restituir a confiança aos mercados? Quando é que a economia ocidental vai voltar a crescer?


As respostas a estas perguntas, conforme referi no início, não são fáceis de dar. A globalização ajudou a contaminar e a aprofundar os efeitos da crise financeira e por isso é previsível que existam ainda raízes epidémicas não detectadas que se encontram em estado latente, prestes a mostrar os seus efeitos. Enquanto estas forem surgindo, não será fácil voltar a acreditar no sistema. Por outro lado, não existem modelos económicos suficientemente testados e abrangentes para tratar todos os dados conhecidos e com eles se obterem respostas concretas às nossas dúvidas e incertezas.


Vivemos num mundo turbulento e de grande volatilidade. Espero e desejo que, a médio prazo possamos acrescentar sustentadamente, que os sistemas económicos se reinventaram permitindo contornar a crise.


Serrone, 2 de Janeiro de 2009

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