sábado, 17 de janeiro de 2009

A Nação e a Crise


O que o Governo prevê hoje, amanhã será diferente…

Há pouco mais de uma semana, quando Vítor Constâncio anunciava o que todos já sabiam, que Portugal estava em recessão económica, o ministro das Finanças Teixeira dos Santos mostrava-se convicto que o défice das contas públicas não iria ultrapassar os 3% em 2009. Uma semana depois, o mesmo ministro evoluía o seu discurso para dizer que seria impossível garantir que o défice ficaria nos 3%.
O Orçamento de Estado para o ano de 2009, aprovado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro de 2008, previa um défice de 2,2 % (igual ao verificado em 2008). Para além disso, fazia uma revisão em baixa do crescimento bruto para - 0,6% do PIB, previa um abrandamento das exportações em -1,2% e estabelecia valores do desemprego de 7,6%.
Ontem o governo, em Conselho de Ministros extraordinário, aprovou o PEC, revendo em baixa todas as previsões para este ano, alinhando a contracção do PIB com o Banco de Portugal para 0,8%, colocando o défice em 3,9%, o abrandamento das exportações em 3,6% e fazendo a revisão em baixa do desemprego para 8,5%.
Analisando as diferenças de valores dos mesmos indicadores e os prazos em que estes se operaram, quase somos levados a pensar que as previsões feitas hoje, têm que ser reajustadas amanhã, ou seja que não valem muito. Será que tem que ser mesmo assim? Ou seja, existirão assim tantas mudanças na conjuntura internacional que obrigue o Governo a mudar constantemente os indicadores económicos?
É claro que a resposta é não. Não há justificação técnica, no que se refere aos efeitos da crise internacional na economia portuguesa, que justifiquem estas constantes alterações, pelo menos em tão curto espaço de tempo. As motivações são de natureza política e as razões são em grande parte devido a problemas estruturais internos. Por muito que o Governo nos queira desviar a atenção para outros lados, nós sabemos que o executivo é o principal responsável pelas alterações com a cumplicidade do Banco de Portugal e que a crise económica internacional não é a única culpada para a situação em que o país se encontra.
Vou abrir um primeiro parênteses, para vos esclarecer que não estou aqui a fazer campanha contra este ou outro qualquer governo anterior e a tomar partido ou a colocar-me ao lado da oposição, seja ela qual for. Longe de mim que, por Graça de Deus e por vontade própria, me mantenho afastado de influências partidárias. Limito-me a analisar factos e a emitir a minha opinião na qualidade de cidadão português, que tenta acima de tudo estar bem informado para não ser enganado.
As alterações de que vos estava a falar, na minha modesta opinião, não vão ficar por aqui. Vamos assistir em 2009 a uma vergonhosa sucessão de revisões em baixa das previsões económicas para este ano, tendo por bode expiatório a crise financeira e económica internacional.
O PEC aprovado ontem, assenta ele próprio em bases irrealistas e o governo sabe muito bem disso. O próprio Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, afirmou que a previsão de quebra de 0,8% do PIB, tinha apenas uma probabilidade de 60% de se verificar.
Mas a quebra de 0,8% do PIB é ela própria uma miragem, ou então não estaríamos a enfrentar a maior crise das nossas vidas. Repare-se no seguinte: Nos últimos trinta anos as diversas crises que ocorreram apresentaram as seguintes quedas do PIB -0,8% (2003), -1,9%, -2,0% e -4,3%. Vítor Constâncio igualou a quebra do PIB para 2009, ao valor mais baixo que se verificou nos últimos trinta anos em tempo de crise e o Governo alinhou.
Penso que sobre este assunto, por agora, mais não será preciso referir. Prometo continuar atento ao longo do ano para vos ir chamando a atenção para a esperada concretização das revisões em baixa dos indicadores económicos fornecidos agora pelo Governo.


As reformas do Estado não foram suficientes ….

Não poderia deixar passar esta semana, sem vos falar sobre as previsões para Portugal, feitas pela agência de Rating Standard & Poor´s (S&P). No relatório que a S&P (uma das três maiores agência de notação de crédito privada do mundo) publicou esta semana, colocou o ´ rating ´ de Portugal (1) sob vigilância negativa, justificando a decisão pelo facto do “plano anti-crise do governo levar ao aumento da despesa pública, o que conjugado com a previsão de contracção do crescimento da economia de 1,5%, poderá levar o défice orçamental a valores na ordem dos 4,6%” (3). Acrescenta ainda o relatório que, Portugal irá enfrentar “ desafios cada vez mais difíceis ao tentar impulsionar a competitividade e o fraco crescimento persistente devido ao elevado peso da dívida e aos grandes desequilíbrios”. Também que “o rimo da consolidação orçamental já começou a abrandar e que o ritmo da reforma do Estado, essencial para conter a despesa, já demonstrou ser menos bem sucedido que o esperado”.
Por outro lado, a OCDE fez saber esta semana aos seus Estados membros que, apesar da crise financeira e económica, a sustentabilidade orçamental deve manter-se, como uma prioridade para os países da área euro. O relatório económico para a zona Euro, coloca Portugal como um dos países mais expostos à actual crise. Uma das razões apontadas é seu elevado grau de endividamento público, sendo que 15% deste, tem menos de um ano.
Abro um segundo parênteses para referir o seguinte: Se vier a confirmar-se, como tudo indica, que a agência de ´ rating ´ desça a nota a Portugal (2), o nosso país vai pagar um preço muito mais alto pelo dinheiro, complicando ainda mais a gravidade da situação económica/financeira do país. (Vou retornar a este tema especifico numa das próximas crónicas, mas não posso deixar de vos informar desde já que, só a ameaça de descida da nota no curto prazo, foi o suficiente para que as taxas de juro a que o mercado está disposto a emprestar dinheiro ao Estado português, tivessem subido ontem para o valor mais alto desde que existe o euro. É claro que esta situação irá repercutir-se a curto prazo aos bancos, às empresas e às famílias).
Perante o cenário traçado pela S&P e face às recomendações da OCDE, parece reforçar-se a ideia que, no actual quadro de crise profunda e prolongada, o investimento público deve ser cirurgicamente seleccionado de modo a que possa produzir-se os seus efeitos no curto e médio prazo. Nesse aspecto enquadra-se o pacote de estímulos anunciado pelo governo para fazer face à crise. O mesmo já não se pode dizer dos grandes investimentos, como o TGV, conforme tive oportunidade de escrever a semana passada e de outros investimentos que eventualmente o Governo se veja tentado a lançar na ânsia de evitar uma travagem maior na actividade económica, salvar empresas e evitar mais desemprego. É que se o endividamento excessivo e a falta de produtividade são as nossas maiores fragilidades e se esta não é a melhor altura para combatê-los, porque isso só agravaria a recessão, também não é menos certo que esta também não é a melhor altura para agravar mais ainda estes indicadores.
Mas a conclusão mais importante a tirar do relatório da S&P, é que as reformas estruturais levadas a cabo pelo Governo foram insuficientes, pois não tiveram o impacto desejado. “Sem reformas, defendeu Frank Gill, analista chefe da S&P, Portugal vai continuar a ter que fazer face a vários desequilíbrios acumulados ao longo de anos, tais como défice externo superior a 10% do PIB que mais tarde ou mais cedo vai ter que ser corrigido”. Salientou ainda a “ falta de competitividade das empresas, que obrigaria a uma necessária redução dos salários reais” e a pouca diversificação das exportações, o que torna o país mais vulnerável face a uma redução da procura externa. Todos estes factores conjugados, segundo Frank Gill, vai fixar a taxa de crescimento do PIB abaixo de 1% nos próximos cinco ou mesmo dez anos.
A crise internacional expôs a fragilidade da nossa economia e a verdade é que, apesar de muita propaganda política feita, as reformas estruturais que foram pedidas com tanto sacrifico aos portugueses, não foram suficientes. Estes apertaram o sinto e a situação orçamental não chegou a ser sólida. Os programas de reformas lançados, não corrigiram os piores males da nossa economia. E agora? O que é que vai acontecer?
Segundo Gill, a subida do défice para valores próximos de 4 por cento, em 2009 e 2010 até nem será o mais grave. O mais grave será o que irá acontecer em 2012 ou 2013.
Lamento ter que vos voltar a dizer que, enquanto o país não estiver todo ele mobilizado para as reformas, para a melhoria da nossa competitividade externa e para melhoria significativa da produtividade; enquanto os nossos governantes e autarcas servirem em primeiro lugar os interesses partidários e tiverem como primeira prioridade ou a conquista do poder ou a sua manutenção; enquanto os sindicatos em vez de protegerem os associados servirem eles próprios os interesses de partidos e enquanto todos eles andarem à procura de protagonismo, esquecendo-se que em primeiro lugar deveria estar o cumprimento do serviço público a que se obrigaram quando ocuparam os lugares, nunca iremos saber o que nos irá acontecer no futuro e vislumbramos sempre que nada será de muito bom, sendo também que, todos os que nos estão a observar de fora, irão sempre fazer as piores previsões para o desenvolvimento de Portugal e a colocar-nos sempre nos últimos lugares de qualquer ranking económico.

1) – O rating de um estado é uma avaliação do risco de emprestar dinheiro a esse país, consoante a sua capacidade de pagar as suas dívidas no futuro. E atribuído às agências de notação de crédito privadas como a S&P o objectivo de informar todo o mercado sobre qual a avaliação que fazem desse risco que depende da saúde das finanças públicas do país e da expectativa de evolução das suas receitas e despesas.

(2) – As notas de avaliação do risco variam entre o máximo de risco de ´ AAA´ e um mínimo de risco de `D´.

(3) – Reparem na discrepância dos indicadores económicos fornecidos pela F&P e os que foram ontem indicados pelo Governo.
Serrone

domingo, 11 de janeiro de 2009

Pode ser feito investimento público sem o crescimento explosivo da dívida?


Na sua mensagem de ano novo, o Presidente da República afirmou que “o futuro será 2009 e os anos que a seguir vierem”. Numa conferência promovida pelo Diário Económico, o Primeiro-ministro Sócrates, citando Keynes, disse: - “No longo prazo estaremos todos mortos”, acrescentando ainda: -“Ninguém aqui está interessado em saber o que acontecerá daqui a dois anos. E a verdade... (continuou) é que há boas razões para essa atitude, porque o Cabo das Tormentas, o momento mais difícil vai ser justamente 2009”.
As frases proferidas por Cavaco e por Sócrates, não poderiam ser mais esclarecedoras quanto à visão que cada um tem sobre a forma e o momento de gastar os dinheiros públicos. Esta distinta maneira de olhar para as mesmas realidades, não resultam só das divergências de opinião pessoais, mas também são fruto das posições institucionais que cada um ocupa.
O Presidente da República ao sublinhar que é preciso falar verdade aos portugueses, defendendo que em ano de crise é necessária ponderar e agir com selectividade na utilização dos dinheiros públicos, adequar os custos aos benefícios, para que no final da crise Portugal não esteja pior do que quando nela entrou, está a dar um sinal ao governo para reflectir antes de se decidir pela realização de grandes obras que aumentam a dívida externa e que hipotecam as gerações futuras.
Por outro lado, o Primeiro-ministro, muito ao seu estilo, com elevada carga cénica/dramática, ao afirmar que “esta é uma crise que se vive uma vez na vida”, provavelmente estará a falar verdade, como pediu o presidente, mas a frase está carregada de intenção política. Em ano de eleições, Sócrates já definiu a sua estratégia eleitoral e como já se começou a perceber, o tema crise será usado e abusado para capitalizar eventuais vantagens políticas adicionais.
As grandes obras públicas, Alcochete, TGV e também a nova ponte sobre o Tejo, já estavam nos planos do Governo para serem lançados ainda este ano e nem a crise nem os recados do Presidente conseguiram ainda alterar a sua posição. O executivo de José Sócrates parece manter a vontade política de lançar estes projectos durante 2009, porque sabe que os custos provenientes destes investimentos serão marginais no orçamento deste ano e, sabe melhor ainda que o lançamento destas obras pode ter um impacto favorável na opinião pública em ano de eleições.
Mas é também preciso que os portugueses tenham conhcimento que os custos desses investimentos irão pesar dramaticamente na dívida externa Portuguesa nos próximos anos, ou seja, no valor dos impostos que cada um de nós vai ter que pagar no futuro, ou, na pior das hipóteses, que esses custos irão contribuir para a perda de património e soberania económica por transferência de empresas e bens para as mãos estrangeiras que nos estão a emprestar dinheiro.
Todos percebemos que essas grandes obras, não se irão desenvolver a tempo de poderem começar a contribuir para relançar a economia em 2009 e que, naturalmente, não fazem parte das medidas a implementar pelo governo para enfrentar a crise. São projectos estruturais para o país, planeados e executados numa geração e não projectos de ocasião. São obras importantes para a modernidade e competitividade de Portugal no médio e no longo prazo.
Não estou a colocar em causa a necessidade de realização desses investimentos, mas sim a afirmar que não é prudente o país avançar já este ano com todos estes projectos. Como já tantos economistas nacionais e internacionais afirmaram e o Primeiro-ministro repetiu, não estamos a viver uma crise qualquer, como as que vivemos no passado recente. Esta é uma crise internacional bastante grave que se abateu sobre o mundo e que atingiu Portugal num momento particularmente difícil. Ninguém poderá ter a certeza do tempo e da gravidade com que esta crise irá afectar a economia portuguesa. Parece haver alguma unanimidade em estimar que este e o próximo ano são anos de recessão particularmente difícies e não de retoma.
Por tudo isto, não seria mais prudente, o governo seguir os conselhos do Presidente, utilizando unicamente os escassos recursos públicos em investimentos que possam valorizar a competitividade da oferta nacional no curto prazo? Promover obras públicas mais pequenas que sustentadamente possam desenvolver a economia nacional, utilizando maioritariamente recursos nacionais? Fazer investimentos que promovam a redução da dependência energética do exterior?
Vítor Constâncio, na apresentação do Boletim Económico de Inverno, na terça-feira passada defendia isso mesmo, que, para combater a crise, deveria ser dada preferência “às despesas de investimento de imediata realização e rápido acabamento para não implicarem grandes despesas futuras”. Principio que o Governo parece também não estar a adoptar nas Parcerias Públicas – Privadas (PPP) para a concretização do Plano Ferro - Rodoviário Nacional e em outras PPP da Saúde. No entanto, não poderei deixar de reconhecer que os investimentos anunciados pelo governo para as escolas, para as energias renováveis e telecomunicações, são um pacote interessante de boas medidas para ajudar a fazer frente à crise.
Em suma, em tempo de grave crise internacional e simultaneamente de grave crise estrutural de Portugal, o que parece mais correcto em termos de opções para minimizar os seus efeitos e promover o máximo de estabilidade económica e social, será recorrer a mais investimento público com efeitos de curto prazo sem pôr em risco as contas das gerações futuras, criar incentivos ao investimento privado e às exportações, aplicar menos impostos sobre as empresas e dar mais apoios sociais.

Serrone, 11 de Janeiro de 2009

sábado, 10 de janeiro de 2009

E agora Barak Obama?


Martin Wolf escreveu esta semana no Financial Times que esta crise é a mais grave que alguma vez se abateu sobre os países desenvolvidos desde a II Guerra Mundial. Começa a crónica com esta frase “ Bem-vindos a 2009, ano em que será traçado o futuro da economia mundial, quiçá por várias gerações”.
Barak Obama disse recentemente numa entrevista “ Eu não acredito que seja tarde demais para mudar de rumo da política económica, mas será senão forem tomadas medidas dramáticas tão cedo quanto possível”.
São duas posições que convergem na ideia inquestionável, que estamos perante uma grave crise que exige medidas urgentes e profundas. Quanto à gravidade e à urgência das medidas, parece ninguém ter dúvidas quanto a isso. O acto político de o deixar acontecer sem nada fazer, já deu provas irrefutáveis das implicações globais nefastas que dai podem advir, basta recordar o que aconteceu após a falência do Lheman Brothers. O problema mais complicado que se coloca está no patamar das medidas propriamente ditas. Sejam elas quais forem, têm que ser as medidas certas no momento certo, pois parece não existirem recursos suficientes nem grande margem de manobra para se implementarem planos do tipo B.
Este vai ser o foco principal de atenção que a nova administração americana irá ter que enfrentar. Barak Obama está a preparar o seu programa de ataque à crise e quando no dia 20 deste mês tomar posse, o mundo irá começar a perceber se as medidas do líder americano irão ou não levar à retoma. Segundo o Wall Strett Journal o plano de recuperação económica que Obama vai propor custará aos cofres públicos cerca de 570.000 milhões de euros, valor só ultrapassado pelo custo da II Guerra Mundial ao erário norte-americano. É uma quantia enorme que irá fazer aumentar o défice das contas públicas americano para um valor monstruoso de 8%, mas que poderá não ser suficiente, opina Martin Wolf.
Para os mais incrédulos quanto à importância da economia americana para o desenvolvimento económico dos países mais desenvolvidos, quero apenas recordar que esta tem sido nas últimas décadas o motor da economia mundial e que, apesar de nos últimos anos estar a diminuir o seu peso, o seu PIB continua ainda cerca de ¼ do PIB do planeta. Já para não falar no facto do mundo estar a viver uma crise que na verdade começou na América. À partida, será impensável pensar numa retoma económica mundial deixando para trás os Estados Unidos.
No passado recente foi o consumo da América que ajudou o mundo a sair das crises e agora? Será possível que o mesmo volte a acontecer? Como é que as famílias americanas, a enfrentar a escalada de desemprego e elevado grau de endividamento, poderão fomentar não só a procura de bens e serviços nacionais, mas também aumentar a procura externa?
Será que o estímulo orçamental em grande escala que Barak Obama vai propor ao senado, basta para aumentar a produção para níveis capazes de conter a escalada do desemprego e por outro lado dinamizar a economia de modo a fazer crescer o nível de confiança das famílias e dos investidores? Será possível retomar a criação de riqueza sustentável que dê para as pessoas irem pagando as suas dividas e continuarem a consumir os excedentes nacionais e mundiais?
Face à força do pensamento deixado no último parágrafo da crónica de Martin Wolf, não posso deixar de o traduzir e de o transcrever para nossa reflexão:
“Sabemos mais no presente que sabíamos no passado. Os Estados Unidos têm hoje um presidente, Barack Obama, com um vasto capital político e uma administração – já a partir de 20 de Janeiro – disposta a fazer tudo o que estiver ao seu alcance. O problema é que os Estados Unidos não estão suficientemente fortes para se poderem salvar sozinhos e a economia mundial. Precisam de ajuda, principalmente a que possa vir de países com excedentes orçamentais. Os Estados Unidos e um pequeno grupo de países desenvolvidos não podem continuar a absorver os excedentes de bens e de poupança do resto do mundo. A crise em curso é a prova disso mesmo. O mundo mudou, logo, as políticas também têm de mudar e já.”

Serrone, 10 de Janeiro de 2009

domingo, 4 de janeiro de 2009

E agora Portugal?


Introdução

Conforme já devem ter notado, nunca particularizei a situação do nosso país nas crónicas que escrevi. Tenho dado preferência a análises e reflexões macroeconómicas de âmbito mais vasto, incluindo nestas a generalidade dos países ocidentais e por vezes também os países emergentes.
Hoje, sem ter planeado previamente, confesso, decide partilhar convosco algumas ideias, informações e reflexões sobre aspectos de natureza macroeconómica que afectam Portugal.

A situação económica portuguesa é extraordinariamente preocupante e vulnerável. O cenário macroeconómico é mesmo um dos mais negros dos países desenvolvidos, senão vejamos:

Níveis da Dívida Externa e défice permanente da Balança de Transacções Correntes demasiado elevados e com tendência para crescer, repercutem-se em riscos de crédito e de incumprimento por parte de empresas e famílias, revelam consumos inadequados, investimento amorfo e acima de tudo um comércio externo onde as exportações crescem menos do que as importações. Se juntarmos a tudo isto o facto das previsões mais optimistas de crescimento do PIB não ultrapassar os 0,5% para 2009, temos na verdade fardos demasiado pesados para enfrentar a recessão.

Dívida Externa Portuguesa

Como se sabe a Dívida Externa total é a somatória dos empréstimos contraídos no exterior pelo próprio Estado, por outras instituições públicas e privadas e pelos financiamentos do sector da banca.

No final do primeiro semestre de 2008 a dívida externa total portuguesa atingia o valor máximo de sempre, 344 mil milhões de euros (aproximadamente o dobro do PIB nacional), ou seja 200% do PIB*. Para mais facilmente se perceber este montante absurdo, basta pensar que, mantendo os mesmos níveis de produção, todos os portugueses teriam em teoria que trabalhar dois anos sem ganhar vencimento para poderem pagar a dívida externa do país.

Este “monstro” divide-se da seguinte forma:
-Divida do Estado: 90 mil milhões (26%)
-Dívida de Outras Instituições: 65 mil milhões (19%)
-Dívida do sector bancário: 189 mil milhões (55%)

Se considerarmos como vulgarmente se faz, o valor do endividamento, retirando os financiamentos da banca, a dívida de Portugal ao estrangeiro vai fixar-se perto de 100% do PIB no final de 2008. Cerca de 160 mil milhões de euros, que a uma taxa de juros de 5% ano corresponde ao pagamento de juros anuais de 8 mil milhões de euros, verba que por si só, daria para construir o aeroporto de Alcochete e todas as acessibilidades previstas e ainda sobrariam 2 mil milhões de euros.

Se considerarmos só a dívida do Estado, retirando do montante total, os financiamentos da banca e os empréstimos externos contraídos por outras instituições, esta representa cerca de 60% do PIB.

* -PIB Define-se como o valor dos bens e serviços finais líquidos da sua componente importada e depois de deduzidos os que são consumidos na produção de produtos intermédios.

Destes números, resulta claro para todos nós, mesmo para aqueles que estão menos habituados a reflectir sobre estas matérias, que atingimos níveis de endividamento muito preocupantes e insustentáveis, tanto mais porque estes têm vindo a agravar-se consecutivamente, ano após ano, desde 2000.

A dívida externa portuguesa mostra em primeiro lugar que Portugal não é um país competitivo, ou seja a grande maioria das empresas nacionais não o são, razão pela qual temos dificuldade em aumentar as nossas exportações. Em segundo lugar, o que todos já sabemos há muito, que o padrão de consumo das famílias nacionais é desajustado, ou seja que temos consumido mais do que a riqueza que produzimos e que essa diferença tem sido alimentada a crédito.

Défice da Balança de Transacções Correntes

A prova real do que acabei de referir é o valor exageradamente elevado do défice da balança de transacções correntes. Antes porém e para melhor se perceber os números, gostaria que ficassem esclarecidos os conceitos de Balança de Transacções Correntes, ou simplesmente Balança Corrente.

A Balança Corrente, trata do registo contabilístico dos fluxos económicos da sociedade com o exterior (através da fronteira), sendo que esta resulta da soma de quatro Balanças:
- A Balança de mercadorias ou comercial (regista importações e exportações de bens).
- A Balança de serviços (transacções com o exterior, seja de transportes, turismo e outros serviços)
- A Balança de rendimentos (salários de trabalhadores estrangeiros, juros e lucros de empresas a actuarem fora dos países)
-A Balança de transferências Unilaterais (maior fatia são as remessas de emigrantes privadas)
Nota: Não entram na Balança Corrente a balança de capitais e a balança financeira. A primeira regista por exemplo a entrada dos fundos europeus e na segunda estão os investimentos feitos por estrangeiros no nosso país e o investimento de portugueses no estrangeiro.

“O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o défice BTC em 2009 chegue em Portugal ao máximo histórico de 12% do PIB”, um dos valores mais altos do mundo ocidental, só ultrapassado pelo défice da Grécia (16% do PIB).

Quer isto dizer que no ano de 2009 Portugal vai ter um défice entre o valor de venda e de compra das transacções de bens, serviços, rendimentos e transferências feitas com os países estrangeiros, no valor aproximado de 19 mil milhões de euros (só para termos sensibilidade para este número, a verba daria para construir 3 aeroportos de Alcochete e ainda sobrava muito dinheiro).

Falta de investimento e falta de produtividade são as principais causas e fragilidades apontadas. Não temos conseguido melhorar o investimento nacional nem atraído suficiente investimento estrangeiro.

Tal deve-se muito mais a razões estruturais do que à crise internacional. Portugal é um dos países menos competitivo da Europa, apresentamos desvantagens tecnológicas e uma ambiente institucional pouco favorável, indica um estudo recente do BCE. A culpa também é da valorização do euro face ao dólar e da situação periférica de Portugal, conclui o mesmo estudo.

Conclusões

Continuamos a divergir e não a convergir dos restantes países da Europa. Todos os anos somos ultrapassados por um dos novos países membros. Mantemos as mais baixas taxas de crescimento. Apresentamos os maiores desequilíbrios da balança de pagamentos e o mais rápido crescimento da dívida, dos países da União Europeia. Pior seria impossível e estamos a empobrecer relativamente à Europa e a hipotecar a economia portuguesa ao exterior.

Que soluções?

Os nossos políticos têm dificuldade em mostrar as realidades que vos expus e falar sobre elas, até porque a sua esmagadora maioria são incompetentes para lidar com este cenário. E eles sabem que nada pior para a sua imagem, do que trazer ao discurso político factos que para eles são autênticos quebra-cabeças. Mesmo aqueles que melhor estariam preparados para lidar com o assunto, se ousassem apontar algumas saídas para atenuar esta bolha monstruosa que se formou, seriam imediatamente aniquilados pelas máquinas partidárias e estas arriscariam a não ganhar eleições.

Meus caros leitores, não sou especialista em economia, como já vos disse, sou apenas alguém que gosta de se manter informado e procurar estudar e reflectir sobre assuntos de máxima importância para todos nós, enquanto cidadãos de Portugal e do mundo, mas sei que a situação macroeconómica do país é insustentável. Se não se inverter esta tendência de despesismo, falta de produtividade, falta de investimento e se inverter a tendência da dependência externa, a bolha vai rebentar.

Temos pela frente uma tarefa muito árdua e difícil que exigiria uma mudança radical de vida de todos os portugueses, dos gestores das nossas organizações, das próprias instituições, dos nossos governantes e da sociedade em geral. Em primeiro lugar será preciso que todos tenham a consciência plena da gravidade da situação e depois não fazerem como a avestruz e colocar a cabeça enterrada na areia. A cabeça enterrada na areia têm tido todos aqueles que tendo responsabilidades e a consciência da gravidade da situação, têm deixado passar os dias impávidos e serenos e a dívida externa portuguesa e o défice externo a aumentar, a aumentar….

Serrone

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2009, o Ano da Incerteza


Duvido que algum analista, economista ou macroeconomista, possa traçar tendências, comprometer-se com previsões e fornecer expectativas económicas, assegurando probabilidades de ocorrência consistentes para os próximos vinte e quatro meses.


Vivemos em tempos de grande incerteza económica, disso ninguém tem agora a mais pequena dúvida. Há precisamente um ano, pairava a esperança que os efeitos do credit crunch ficassem restringidos ao sistema financeiro e que as empresas e a economia real não seriam afectadas. Em Outubro, em plena crise financeira, a OCDE previa que nas economias líderes, o investimento empresarial cairia na primeira metade de 2009 e recuperaria ligeiramente na segunda metade. Estas previsões assentavam num cenário de recessão ligeira, cada vez mais, considerado demasiado optimista face aos sinais macroeconómicos que sucessivamente se vão conhecendo. A maior parte das economias desenvolvidas do mundo ocidental começam o 2009 em recessão, mostrando grandes dificuldades para manter a actividade económica. A economia americana, a maior do mundo (representa 21% do PIB global), está a lutar contra a maior crise de confiança desde a Grande Depressão. As economias emergentes apresentam sinais de abrandamento e um crescimento mais lento que num passado recente.


As medidas inéditas e sem precedentes que os diversos Estados têm implementado para repor a confiança, desbloquear o acesso ao crédito, injectar liquidez nos bancos, garantir depósitos e as dividas institucionais, ainda não dão provas de poderem assegurar a inversão da trajectória e a retoma do crescimento económico.


Os Estados sentem-se cada vez mais tentados a recorrer ao proteccionismo junto de segmentos económicos de grande empregabilidade, numa luta sem tréguas para evitar o agravamento do sistema, o aumento de falências, a diminuição do poder de compra das famílias e consequente o aumento dos níveis de degradação social. Estas acções não são isentas de riscos e poderão, também elas, ter consequências colaterais a médio e longo prazo, não só no aumento dos défices já demasiados altos de alguns países, mas também ao nível dos mercados, pois poderão surgir novas barreiras comerciais que impeçam a liberalização económica, que continuo a considerar factor imprescindível para se estimular o crescimento.


A desconfiança persistente junto dos agentes económicos, está ainda longe de chegar ao fim. Na verdade, tudo é ainda muito recente. A bolha financeira rebentou há cerca de três meses e o sistema financeiro, apesar de muito injectado, senão ainda doente, encontra-se na melhor das hipóteses em estado de convalescença.


A contaminação da doença financeira na economia real, que por si só já se encontrava em estado deplorável no mundo ocidental, a meu ver, ainda mal começou a fazer-se sentir. As dificuldades das empresas em recorrerem ao crédito, apesar das medidas e dos incentivos dados pelos Estados junto da banca, está a aumentar. Verifica-se uma maior dificuldade das empresas manterem os níveis de investimento que tinham. Muitas das organizações empresariais vão ter necessariamente de se refinanciar durante o ano de 2009, para manterem a sua actividade e assim sobreviverem à crise. Muitos destes refinanciamentos, relacionam-se com as próprias dividas a vencer durante o ano, o que dificulta mais ainda, não só a posição dos investidores, mas também a da própria banca.

As taxas de incumprimento das empresas junto das instituições financeiras estão a acentuar-se, aumentando por sua vez as perdas de crédito dos bancos. Uma sucessão de incumprimentos poderão ter um efeito multiplicador e abrir novos buracos no sistema financeiro já debilitado.


O segmento imobiliário que esteve na origem desta crise epidémica, está a mostrar sinais alarmantes de abrandamento e a revelar “rastilhos ainda acesos “ demasiadamente perigosos para as receitas dos bancos. Não só devido ao incumprimento de promotores imobiliários que não vendendo imóveis, terão maiores dificuldades em cumprir as suas obrigações, mas também, porque tendencialmente, existirão mais famílias que irão entrar em incumprimento no que se refere ao pagamento das prestações dos contratos de crédito concedidos para aquisição de casa própria.


Tudo isto, apesar das taxas de juros se apresentarem, neste início de ano, com os valores mais baixos de sempre, facto este por si só, reconhecidamente não traz benefícios directos à banca e que se sabe não ser do seu interesse manter.


O acesso aos créditos pessoais para aquisição de automóveis e de outros bens de consumo, está cada vez mais dificultado, porque os bancos, com menos liquidez e com receios de novos incumprimentos, mostram-se cada vez mais cautelosos.


A banca, tendencialmente, tudo indica, irá ela própria diminuir substancialmente o volume de negócios, acentuando os sinais evidentes de recessão económica. O sistema financeiro está a lidar neste momento com grandes níveis de incerteza, transmitindo este sentimento ao resto da economia.


Por outro lado, todos percebemos a razão, os agentes económicos continuam a desconfiar dos sistemas reguladores e supervisores. Estes falharam e continuam a falhar, facto evidenciado pela sucessão de escândalos que se têm tornado públicos, citando apenas como exemplo, o recente caso Bernard Madoff.


Quando tempo vai durar ainda a desconfiança? Que medidas terão ainda que se tomar para restituir a confiança aos mercados? Quando é que a economia ocidental vai voltar a crescer?


As respostas a estas perguntas, conforme referi no início, não são fáceis de dar. A globalização ajudou a contaminar e a aprofundar os efeitos da crise financeira e por isso é previsível que existam ainda raízes epidémicas não detectadas que se encontram em estado latente, prestes a mostrar os seus efeitos. Enquanto estas forem surgindo, não será fácil voltar a acreditar no sistema. Por outro lado, não existem modelos económicos suficientemente testados e abrangentes para tratar todos os dados conhecidos e com eles se obterem respostas concretas às nossas dúvidas e incertezas.


Vivemos num mundo turbulento e de grande volatilidade. Espero e desejo que, a médio prazo possamos acrescentar sustentadamente, que os sistemas económicos se reinventaram permitindo contornar a crise.


Serrone, 2 de Janeiro de 2009

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

2008 - Actualidades do Serrone em Retrospectiva



Os progressos tecnológicos dos últimos anos têm permitido desenvolver complexas redes de comunicação e de transmissão de dados que estão em permanente evolução e expansão, permitindo-nos contactar e partilhar informação mais rapidamente do que nunca.


Os cabos de fibra óptica que transportam impulsos de luz, são as auto-estradas da informação. Convertendo dados digitais em sinais luminosos, uma fibra minúscula pode transportar fluxos de informação à velocidade da luz, podendo dar a volta à terra sete vezes num segundo. As chamadas telefónicas internacionais e as ligações Internet de alta velocidade fazem-se agora a custos relativamente baixos e tornaram-se acessíveis à escala global.


A Internet é a rede informática que liga praticamente todos os países do mundo e é utilizada por centenas de milhões de pessoas para enviar informações umas às outras instantaneamente. A Internet é o sistema de computadores ligados entre si através de redes. A ferramenta WWW (World Wide Web) é o ciberespaço (espaço virtual) onde existe toda a informação (documentos, sons, vídeos). Trata-se de um sistema que cria, organiza e interliga a informação permitindo que as pessoas tenham acesso a esta com uma simples pesquisa, sendo que os dados originais estão nos computadores espalhados pelo mundo.


O Microchip de reduzidas dimensões (podem ser mais pequenos do que a unha do dedo mindinho) são feitos de silício, possuem transístores ligados por pistas e são que capazes de tratar cerca de 10.000 milhões de instruções por segundo. Em 1971 o número de transístores que cabia num chip era 2000. Desde essa altura o número tem estado sempre a aumentar, sendo que, actualmente, o número e transístores existentes num único chip podem ser superiores a 500 milhões.


Na Wikipédia a definição de blog, blogue ou caderno digital é a seguinte: “ página da WEB, cuja estrutura permite a actualização rápida a partir de acréscimos de tamanho variável, chamados artigos. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, costumam abordar a temática do blog e podem ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog.” O primeiro Blogue surgiu em 1997, sendo que só no ano de 1999 é que diversos programas foram postos na WEB para a construção de blogues. No ano 2000 existiam ainda poucos milhares, três anos depois eram cerca de 4 milhões. Actualmente existem cerca de 112 milhões, sendo criados diariamente 120.000 em todo o mundo.


Este espaço no qual escrevo é um, entre muitas dezenas de milhões de páginas que existem na Web, que se enquadram na categoria de blogues. Sendo este um veiculo privilegiado de transmissão e partilha de saberes, nesta nova era da sociedade do conhecimento, não poderia deixar de nela dar o meu modesto contributo, criando o “Actualidades do Mundo / Actualidades do Serrone”.


Como todos os que me têm acompanhado ao longo destes meses conhecem, tenho relevado alguns acontecimentos e opiniões que no meu entender merecem destaque e reflexão, dando sempre que possível, também, a minha visão sobre o mundo que está à vista de todos nós.

Destaques de 2008 em Retrospectiva:


Artigos


Maio
-A crise dos alimentos
-A crise do petróleo
-Até quando pode durar a crise do petróleo?
-Este mundo louco que os homens têm construído.
-Com que direito?
-Efeitos do Aquecimento do Planeta.
-Crise…De quem é a culpa?


Junho

-Travar a especulação.

Julho
-Recessão à vista na Zona Euro


Agosto
-Globalização, “Guilty or Not Guilty?”

-Dia 9 de Agosto de 2007, o dia em que a crise chegou à Europa.
-A verdadeira razão do conflito na Geórgia

Outubro
-Que pena, não podermos dar aos nossos filhos o que herdámos, o fascínio de um dia poderem ficar ricos!

-O que será preciso fazer mais para restabelecer a confiança nos mercados?
-Tradição Estado e Mercado.


Dezembro
-Vivemos um mundo pós-americano, segundo Fareed Zakaria

-A Era da Socieadade Pós Capitalista

Flash Enciclopédico e Informativo


-O mínimo que se deve conhecer da crise financeira
-O que é o efeito de estufa?
-Globalização
-Assistimos em tempo real ao 3.º choque petrolífero.
-Programa Nuclear Iraniano
-O poder de influência dos lobbys
-O conflito Israel-Palestina
-Ataques em Bombaím
-A Revolução Tecnológica