O que o Governo prevê hoje, amanhã será diferente…
Há pouco mais de uma semana, quando Vítor Constâncio anunciava o que todos já sabiam, que Portugal estava em recessão económica, o ministro das Finanças Teixeira dos Santos mostrava-se convicto que o défice das contas públicas não iria ultrapassar os 3% em 2009. Uma semana depois, o mesmo ministro evoluía o seu discurso para dizer que seria impossível garantir que o défice ficaria nos 3%.
O Orçamento de Estado para o ano de 2009, aprovado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro de 2008, previa um défice de 2,2 % (igual ao verificado em 2008). Para além disso, fazia uma revisão em baixa do crescimento bruto para - 0,6% do PIB, previa um abrandamento das exportações em -1,2% e estabelecia valores do desemprego de 7,6%.
Ontem o governo, em Conselho de Ministros extraordinário, aprovou o PEC, revendo em baixa todas as previsões para este ano, alinhando a contracção do PIB com o Banco de Portugal para 0,8%, colocando o défice em 3,9%, o abrandamento das exportações em 3,6% e fazendo a revisão em baixa do desemprego para 8,5%.
Analisando as diferenças de valores dos mesmos indicadores e os prazos em que estes se operaram, quase somos levados a pensar que as previsões feitas hoje, têm que ser reajustadas amanhã, ou seja que não valem muito. Será que tem que ser mesmo assim? Ou seja, existirão assim tantas mudanças na conjuntura internacional que obrigue o Governo a mudar constantemente os indicadores económicos?
É claro que a resposta é não. Não há justificação técnica, no que se refere aos efeitos da crise internacional na economia portuguesa, que justifiquem estas constantes alterações, pelo menos em tão curto espaço de tempo. As motivações são de natureza política e as razões são em grande parte devido a problemas estruturais internos. Por muito que o Governo nos queira desviar a atenção para outros lados, nós sabemos que o executivo é o principal responsável pelas alterações com a cumplicidade do Banco de Portugal e que a crise económica internacional não é a única culpada para a situação em que o país se encontra.
Vou abrir um primeiro parênteses, para vos esclarecer que não estou aqui a fazer campanha contra este ou outro qualquer governo anterior e a tomar partido ou a colocar-me ao lado da oposição, seja ela qual for. Longe de mim que, por Graça de Deus e por vontade própria, me mantenho afastado de influências partidárias. Limito-me a analisar factos e a emitir a minha opinião na qualidade de cidadão português, que tenta acima de tudo estar bem informado para não ser enganado.
As alterações de que vos estava a falar, na minha modesta opinião, não vão ficar por aqui. Vamos assistir em 2009 a uma vergonhosa sucessão de revisões em baixa das previsões económicas para este ano, tendo por bode expiatório a crise financeira e económica internacional.
O PEC aprovado ontem, assenta ele próprio em bases irrealistas e o governo sabe muito bem disso. O próprio Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, afirmou que a previsão de quebra de 0,8% do PIB, tinha apenas uma probabilidade de 60% de se verificar.
Mas a quebra de 0,8% do PIB é ela própria uma miragem, ou então não estaríamos a enfrentar a maior crise das nossas vidas. Repare-se no seguinte: Nos últimos trinta anos as diversas crises que ocorreram apresentaram as seguintes quedas do PIB -0,8% (2003), -1,9%, -2,0% e -4,3%. Vítor Constâncio igualou a quebra do PIB para 2009, ao valor mais baixo que se verificou nos últimos trinta anos em tempo de crise e o Governo alinhou.
Penso que sobre este assunto, por agora, mais não será preciso referir. Prometo continuar atento ao longo do ano para vos ir chamando a atenção para a esperada concretização das revisões em baixa dos indicadores económicos fornecidos agora pelo Governo.
As reformas do Estado não foram suficientes ….
Não poderia deixar passar esta semana, sem vos falar sobre as previsões para Portugal, feitas pela agência de Rating Standard & Poor´s (S&P). No relatório que a S&P (uma das três maiores agência de notação de crédito privada do mundo) publicou esta semana, colocou o ´ rating ´ de Portugal (1) sob vigilância negativa, justificando a decisão pelo facto do “plano anti-crise do governo levar ao aumento da despesa pública, o que conjugado com a previsão de contracção do crescimento da economia de 1,5%, poderá levar o défice orçamental a valores na ordem dos 4,6%” (3). Acrescenta ainda o relatório que, Portugal irá enfrentar “ desafios cada vez mais difíceis ao tentar impulsionar a competitividade e o fraco crescimento persistente devido ao elevado peso da dívida e aos grandes desequilíbrios”. Também que “o rimo da consolidação orçamental já começou a abrandar e que o ritmo da reforma do Estado, essencial para conter a despesa, já demonstrou ser menos bem sucedido que o esperado”.
Por outro lado, a OCDE fez saber esta semana aos seus Estados membros que, apesar da crise financeira e económica, a sustentabilidade orçamental deve manter-se, como uma prioridade para os países da área euro. O relatório económico para a zona Euro, coloca Portugal como um dos países mais expostos à actual crise. Uma das razões apontadas é seu elevado grau de endividamento público, sendo que 15% deste, tem menos de um ano.
Abro um segundo parênteses para referir o seguinte: Se vier a confirmar-se, como tudo indica, que a agência de ´ rating ´ desça a nota a Portugal (2), o nosso país vai pagar um preço muito mais alto pelo dinheiro, complicando ainda mais a gravidade da situação económica/financeira do país. (Vou retornar a este tema especifico numa das próximas crónicas, mas não posso deixar de vos informar desde já que, só a ameaça de descida da nota no curto prazo, foi o suficiente para que as taxas de juro a que o mercado está disposto a emprestar dinheiro ao Estado português, tivessem subido ontem para o valor mais alto desde que existe o euro. É claro que esta situação irá repercutir-se a curto prazo aos bancos, às empresas e às famílias).
Perante o cenário traçado pela S&P e face às recomendações da OCDE, parece reforçar-se a ideia que, no actual quadro de crise profunda e prolongada, o investimento público deve ser cirurgicamente seleccionado de modo a que possa produzir-se os seus efeitos no curto e médio prazo. Nesse aspecto enquadra-se o pacote de estímulos anunciado pelo governo para fazer face à crise. O mesmo já não se pode dizer dos grandes investimentos, como o TGV, conforme tive oportunidade de escrever a semana passada e de outros investimentos que eventualmente o Governo se veja tentado a lançar na ânsia de evitar uma travagem maior na actividade económica, salvar empresas e evitar mais desemprego. É que se o endividamento excessivo e a falta de produtividade são as nossas maiores fragilidades e se esta não é a melhor altura para combatê-los, porque isso só agravaria a recessão, também não é menos certo que esta também não é a melhor altura para agravar mais ainda estes indicadores.
Mas a conclusão mais importante a tirar do relatório da S&P, é que as reformas estruturais levadas a cabo pelo Governo foram insuficientes, pois não tiveram o impacto desejado. “Sem reformas, defendeu Frank Gill, analista chefe da S&P, Portugal vai continuar a ter que fazer face a vários desequilíbrios acumulados ao longo de anos, tais como défice externo superior a 10% do PIB que mais tarde ou mais cedo vai ter que ser corrigido”. Salientou ainda a “ falta de competitividade das empresas, que obrigaria a uma necessária redução dos salários reais” e a pouca diversificação das exportações, o que torna o país mais vulnerável face a uma redução da procura externa. Todos estes factores conjugados, segundo Frank Gill, vai fixar a taxa de crescimento do PIB abaixo de 1% nos próximos cinco ou mesmo dez anos.
A crise internacional expôs a fragilidade da nossa economia e a verdade é que, apesar de muita propaganda política feita, as reformas estruturais que foram pedidas com tanto sacrifico aos portugueses, não foram suficientes. Estes apertaram o sinto e a situação orçamental não chegou a ser sólida. Os programas de reformas lançados, não corrigiram os piores males da nossa economia. E agora? O que é que vai acontecer?
Segundo Gill, a subida do défice para valores próximos de 4 por cento, em 2009 e 2010 até nem será o mais grave. O mais grave será o que irá acontecer em 2012 ou 2013.
Lamento ter que vos voltar a dizer que, enquanto o país não estiver todo ele mobilizado para as reformas, para a melhoria da nossa competitividade externa e para melhoria significativa da produtividade; enquanto os nossos governantes e autarcas servirem em primeiro lugar os interesses partidários e tiverem como primeira prioridade ou a conquista do poder ou a sua manutenção; enquanto os sindicatos em vez de protegerem os associados servirem eles próprios os interesses de partidos e enquanto todos eles andarem à procura de protagonismo, esquecendo-se que em primeiro lugar deveria estar o cumprimento do serviço público a que se obrigaram quando ocuparam os lugares, nunca iremos saber o que nos irá acontecer no futuro e vislumbramos sempre que nada será de muito bom, sendo também que, todos os que nos estão a observar de fora, irão sempre fazer as piores previsões para o desenvolvimento de Portugal e a colocar-nos sempre nos últimos lugares de qualquer ranking económico.
1) – O rating de um estado é uma avaliação do risco de emprestar dinheiro a esse país, consoante a sua capacidade de pagar as suas dívidas no futuro. E atribuído às agências de notação de crédito privadas como a S&P o objectivo de informar todo o mercado sobre qual a avaliação que fazem desse risco que depende da saúde das finanças públicas do país e da expectativa de evolução das suas receitas e despesas.
(2) – As notas de avaliação do risco variam entre o máximo de risco de ´ AAA´ e um mínimo de risco de `D´.
(3) – Reparem na discrepância dos indicadores económicos fornecidos pela F&P e os que foram ontem indicados pelo Governo.
Serrone