sábado, 16 de agosto de 2008

A verdadeira razão do conflito na Geórgia

Interesses geoestratégicos e a riqueza do solo na região do Cáucaso, levaram o gigante adormecido a recorrer aos velhos métodos de demonstração de poder da antiga URSS e a esquecer os tratados internacionais.

É certo que o presidente Mikhail Saakachvili da Geórgia, ao avançar com a operação contra os separatistas da Ossétia do Sul, cometeu um erro de cálculo, talvez induzido quem sabe, propositadamente por Moscovo, que lhe teria dado a entender que não interviria.


A Rússia que esperava uma oportunidade para mostrar ao mundo que ainda tem força militar e poder para restabelecer uma “esfera de influência” há muito perdida sobre a região e controlar os seus recursos energéticos e estratégicos, não deixou de aproveitar a ingenuidade de Saakachvili.


A URSS desmembrou-se em 1991 com a independência das suas 15 repúblicas e, desde essa data, Moscovo tem sido afrontada pela humilhação geopolítica, com muitos dos antigos membros a pedirem a entrada na NATO e na União Europeia. Nos últimos 17 anos a área de influência euro-atlântica tem aumentado significativamente. Toda a Europa Central, Oriental e os Balcãs já fazem parte, ou estão prestes a tornarem-se membros da Nato e da União Europeia. Por isso, Moscovo não vê com bons olhos a possível entrada na NATO da Ucrânia e da Geórgia e a colocação de um escudo antimíssil na Polónia. Tanto mais que, no território da Ucrânia, para além de se encontra uma parte do poder bélico que pertencia à ex. URSS, também se situa a sua principal base naval, o seu grande porto com acesso directo ao Mar Negro e ao Mediterrâneo. A Geórgia é uma rota natural do trânsito de combustíveis, sendo que, todos os projectos do ocidente e da própria Rússia prevêem os traçados de oleodutos e gasodutos no seu território, a ligar o Azerbaijão à Turquia, drenando os recursos energéticos do Cáspio.

Tentativa de aproximação da Geórgia ao ocidente e sinais claros do conflito de interesses do ocidente com a Rússia


Em 2006 a Geórgia assinou o Plano de Acção de Vizinhança Europeia com a União Europeia e a adesão à Nato é uma prioridade deste aliado dos Estados Unidos. O presidente Mikhail Saakashvili chegou ao poder em 2004 conseguindo uma esmagadora maioria de 96% dos votos, persuadindo os eleitores de que iria transformar a Geórgia num país próspero ocidentalizado, no qual não haveria lugar para a corrupção e a pobreza, considerados os dois maiores flagelos sociais pelas suas populações.


No Washington Post do dia 14 de Agosto, Ronald Asmus e Richard Holbrooke, nomes sobejamente conhecidos da anterior administração americana, da era Clinton, afirmaram que "O objectivo da Rússia não é simplesmente, como clama, restaurar o statu-quo na Ossétia do Sul. Quer a mudança de regime na Geórgia". Ou seja, visa derrubar o regime pró-americano de Saakachvili. Temos de conter a pressão da Rússia sobre os seus vizinhos, especialmente na Ucrânia, muito provavelmente o próximo alvo dos esforços de Moscovo para criar uma nova esfera de hegemonia". Esta afirmação revela claramente que as preocupações da América relativamente ao Cáucaso já vinham detrás e mostra que os esforços desenvolvidos nos últimos anos de expansão de influência a leste, tinham também o objectivo de neutralizar e isolar a Rússia.


Por outro lado sabemos que eles não estão enganados, basta recordar o que afirmou Stanislav Belkovski, conselheiro de Vladimir Putin, quando decorriam as eleições ucranianas de 2004.: "A única maneira de prosperarmos no século XXI é restaurar o nosso domínio no espaço pós-soviético". Esta é uma obsessão da doutrina estratégica russa desde os primeiros tempo do consulado de Boris Ieltsin.


Com a acção militar no Cáucaso, a Rússia confirmou ao mundo de forma inequívoca o arranque da sua "estratégia de cerco" que consiste em restabelecer uma “esfera de influência” englobando pelo menos a Ucrânia, a Moldávia e a Geórgia. Aparentemente esta primeira acção está a ser a conseguida com êxito e tudo indica que dificilmente a Geórgia irá recuperar a Ossética do Sul e a Abhkázia. A Geórgia mais instável e com as forças militares fortemente atingidas com o actual conflito, seria menos apetecida aos interesses da NATO.


Os Estados Unidos, reféns da ajuda da Rússia na solução do programa nuclear iraniano não tiveram meios nem vontade política para proteger um aliado e a sua credibilidade regional foi largamente afectada. Até mais ver a Rússia está a conseguir os seus objectivos e está a sair vencedora. Os próximos tempos vão ser decisivos para se saber com que armas se vai afinal fazer esta guerra e quem virão a ser os vencidos e os vencedores.


Aparentemente os Estados Unidos no imediato, para além de se desmultiplicarem em contactos diplomáticos e em intervenções políticas mais ou menos relevantes, irão fazer braço de ferro com o seu rival, começando por fechar o acordo com a Polónia de instalação do sistema antimíssil e irão acelerar a entrada da Ucrânia e eventualmente da Geórgia na NATO. Vão tentar não cometer erros estratégicos, para mostrarem aos povos da região que são os aliados certos e que a Rússia é um país isolado sem aliados.


Seja qual for o desenrolar e o desfecho, para já, parece não haver dúvidas, o mundo está ainda mais instável e aumentaram as incertezas de manutenção da paz, fazendo ressuscitar velhas angústias do tempo da guerra fria. O gigante adormecido, afinal esteva sorrateiramente a preparar-se e a aguardar a sua oportunidade para contra-atacar e soube escolher o seu momento, mostrando as “garras” orgulhosamente de modo a convencer os rivais de quem manda no território, é ele.

sábado, 9 de agosto de 2008

Dia 9 de Agosto de 2007, o dia em que a crise chegou à Europa

A noção de tempo datada em dias, meses anos, décadas e séculos é puramente cronológica e foi definida pelo homem, muito milhões de anos depois do aparecimento de vida na terra. Talvez por isso, nunca fui pessoa dada a dar muita importância às datas. O que importa verdadeiramente é que as ocorrências e os respectivos registos vão ficando impressos na história, podendo em alguns casos, projectar-se sem apelo nem agrave no nosso futuro comum.

Não poderia deixar passar o dia de hoje, precisamente um ano decorrido desde que a crise financeira chegou à Europa. Nessa data, o BPN Paribas, o maior banco francês, congelou três fundos de investimento fortemente ligados ao mercado imobiliário dos Estados Unidos. Nesse mesmo dia o Banco Central Europeu injectou 95 mil milhões de euros numa tentativa de repor a liquidez.

A que se devia tão grande turbulência nos mercados financeiros europeus?

Um dia antes, havia eclodido o colapso do crédito hipotecário de alto risco na maior potência económica mundial, denominado a "Crise Suprime".

Um ano decorrido, interessa registar resumidamente o balanço dos efeitos da crise do “Suprime” no sector financeiro, precisamente o sector que esteve na origem da crise:

“ Os bancos de todo o mundo cortaram cerca de 100.000 postos de trabalho. As perdas assumidas até agora pela banca ascendem a 320.000 mil milhões de euros (495 mil milhões de dólares), dos quais 45% verificaram-se na Europa.” Mas o FMI assegura que as perdas totais irão ascender a um bilião de dólares. Isto quer dizer que, segundo o FMI, as taxas de juro que acabaram de atingir máximos históricos, irão levar cerca de uma ano e meio a atingir o máximo de magnitude no final de 2009 em diante. A concessão de crédito às empresas e às famílias foi largamente dificultado e é cada vez mais caro, o que só por si, afecta directamente o investimento e o desenvolvimento económico.

A Citigroup e Merrill são as instituições mais afectadas pela crise do “Suprime”. Juntos perderam 69 mil milhões de Euros desde Agosto de 2007. Na Europa e o Banco Suíço UBS foi que mais perdeu, cerca de 25 Milhões de Euros.

Hoje as perspectivas para o futuro não são nada animadoras. Pode-se esperar a continuação da subida das taxas de juro na zona euro, a continuação de falta de liquidez nos mercados de crédito, spreads demasiado elevados, continuada redução dos lucros da banca, continuado agravamento da inflação, dificuldades de acesso ao crédito de empresas e particulares, redução da actividade económica e consequente aumento do desemprego.
Serrone

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Globalização, "Guilty or not Guilty?"

No dia 26 de Maio deste ano deixei em aberto algumas questões sobre os eventuais efeitos da globalização na actual crise mundial. Desde essa data, tenho tentado formar melhor a minha opinião, lendo livros e artigos dos mais prestigiados especialistas internacionais, tais como Paul Samuelson, autor do livro Economia da Era Pós-guerra; Martin Wolf, autor do livro “Por Que Funciona a Globalização e colunista do Financial Times; Paul Krugman, teórico do comércio internancional; Larry Summers, chefe do Tesouro dos EUA; e o anti-globalização e Prémio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, entre outros.

Confesso que, depois de muito ler, fiquei com mais incertezas do que tinha antes. Os contornos macroeconómicos, sócio culturais, ambientais, geoestratégicos e políticos existentes, são de uma complexidade sem limites e os especialistas entendem-nos e escrevem sobre eles, de forma diversa e por vezes antagónica, mas sempre argumentando persuasivamente as suas ideias.

Mas, quero-lhe dizer caro leitor que, na sua essência, as minhas convicções liberais não foram minimamente afectadas. Poderei mesmo dizer que, estas acabaram por sair reforçadas, pois acredito que só a liberalização alargada dos mercados, conjugada com a democratização do mundo e das suas instituições mais importantes, poderão trazer crescimento económico sustentável a cada vez mais regiões e mais bem-estar às suas populações.

A globalização pode continuar a funcionar como factor de crescimento em tempo de crise, apesar de, na base desta mesma crise, ter estado a globalização. À partida parece existir contradição no que acabei de referir, mas asseguro que não, senão vejamos:

O problema não está na globalização, mas sim na falta de novas instituições e de mecanismos que tornem a globalização de hoje mais eficaz, mais sustentável e mais justa. No dia 5 de Junho, neste espaço escrevi como se poderia travar a especulação dos mercados. Pois bem é daquele tipo de mecanismos controladores e reguladores a que me refiro.

O mundo precisa de mercados globais assentes em bases formais mais fortes e mais consensuais. Não existe uma autoridade anti-monopólio mundial, não há uma entidade reguladora dos mercados, as redes e sistemas de segurança mundiais são inexistentes e há ainda muita falta de democracia por esse mundo fora. Terão que se criar novas regras para a globalização continuar a ser a alavanca de diminuição da pobreza dos povos de todo o planeta. Estas regras deverão estar assentes em bases políticas fortes, em instituições apoiadas pelas elites mundiais mas simultaneamente e também com legitimidade popular. Deverão ser criados mecanismos de regulação e de compensação económica entre zonas do mundo.

Claro que, neste enquadramento, não poderia deixar de me referir às rivalidades internacionais. Os problemas de natureza geopolítica latentes são uma grande ameaça à globalização. Mas, mesmo assim acho que, actualmente, estamos numa situação muito menos complicada do que esteve o mundo na altura da grande recessão da década de 30. Recordo que nessa década, o crescimento do comunismo e do fascismo fragmentavam o globo. Hoje, em vez de rotura entre as maiores potências mundiais, enfrentamos uma ameaça alternativa – o mega - terrorismo. Neste âmbito, a globalização pode funcionar como uma arma de ataque e simultaneamente defensiva, contra o terrorismo. Como? Permitindo aos países interagirem potenciando o seu combate generalizado em toda a parte do planeta, e por outro lado, porque o desenvolvimento gerado trará o bem-estar das populações a cada vez áreas mais alargadas do globo, agindo deste modo dissuasivamente ao seu espalhamento.

Os interesses proteccionistas dos estados, manifestados através da atribuição de subsídios a sectores da indústria e da agricultura, a limitação do mercado de exportações, o apoio camuflado a grandes grupos económicos, tantas vezes também eles monopolistas, são uma das maiores ameaças à globalização e ao crescimento económico sustentável ao nível do planeta. Há que criar regras limitadoras deste tipo de poder camuflado que gera desajustamentos económicos de larga escala, desvirtuando as regras de mercado. Também deverão ser criados mecanismos que prevejam, controlem e que produzam resultados que possibilitem que os seus efeitos, ao produzirem-se sejam drásticamente atenuados e não se repliquem no mercado global.

Será do interesse de todos os estados, como dos seus cidadãos, participar em regimes e instituições baseadas em tratados internacionais que forneçam bens públicos globais, incluindo mercados abertos, protecção ambiental, saúde e segurança internacional. A necessidade de defesa da integração económica internacional, juntamente com defesas finanças públicas sãs, estabilidade macroeconómica, estabilidade financeira, investimentos adequados na educação, saúde e infra-estruturas, encorajamento para a inovação e sobretudo, mais e melhores Estados de Direito.

Será necessário criar um credor global de último recurso e os países e os mercados devem aprender com os seus próprios erros, sendo que a comunidade global deverá ter capacidade para intervir onde os Estados falharam por completo.
Serrone