É certo que o presidente Mikhail Saakachvili da Geórgia, ao avançar com a operação contra os separatistas da Ossétia do Sul, cometeu um erro de cálculo, talvez induzido quem sabe, propositadamente por Moscovo, que lhe teria dado a entender que não interviria.
A Rússia que esperava uma oportunidade para mostrar ao mundo que ainda tem força militar e poder para restabelecer uma “esfera de influência” há muito perdida sobre a região e controlar os seus recursos energéticos e estratégicos, não deixou de aproveitar a ingenuidade de Saakachvili.
A URSS desmembrou-se em 1991 com a independência das suas 15 repúblicas e, desde essa data, Moscovo tem sido afrontada pela humilhação geopolítica, com muitos dos antigos membros a pedirem a entrada na NATO e na União Europeia. Nos últimos 17 anos a área de influência euro-atlântica tem aumentado significativamente. Toda a Europa Central, Oriental e os Balcãs já fazem parte, ou estão prestes a tornarem-se membros da Nato e da União Europeia. Por isso, Moscovo não vê com bons olhos a possível entrada na NATO da Ucrânia e da Geórgia e a colocação de um escudo antimíssil na Polónia. Tanto mais que, no território da Ucrânia, para além de se encontra uma parte do poder bélico que pertencia à ex. URSS, também se situa a sua principal base naval, o seu grande porto com acesso directo ao Mar Negro e ao Mediterrâneo. A Geórgia é uma rota natural do trânsito de combustíveis, sendo que, todos os projectos do ocidente e da própria Rússia prevêem os traçados de oleodutos e gasodutos no seu território, a ligar o Azerbaijão à Turquia, drenando os recursos energéticos do Cáspio.
Tentativa de aproximação da Geórgia ao ocidente e sinais claros do conflito de interesses do ocidente com a Rússia
Em 2006 a Geórgia assinou o Plano de Acção de Vizinhança Europeia com a União Europeia e a adesão à Nato é uma prioridade deste aliado dos Estados Unidos. O presidente Mikhail Saakashvili chegou ao poder em 2004 conseguindo uma esmagadora maioria de 96% dos votos, persuadindo os eleitores de que iria transformar a Geórgia num país próspero ocidentalizado, no qual não haveria lugar para a corrupção e a pobreza, considerados os dois maiores flagelos sociais pelas suas populações.
No Washington Post do dia 14 de Agosto, Ronald Asmus e Richard Holbrooke, nomes sobejamente conhecidos da anterior administração americana, da era Clinton, afirmaram que "O objectivo da Rússia não é simplesmente, como clama, restaurar o statu-quo na Ossétia do Sul. Quer a mudança de regime na Geórgia". Ou seja, visa derrubar o regime pró-americano de Saakachvili. Temos de conter a pressão da Rússia sobre os seus vizinhos, especialmente na Ucrânia, muito provavelmente o próximo alvo dos esforços de Moscovo para criar uma nova esfera de hegemonia". Esta afirmação revela claramente que as preocupações da América relativamente ao Cáucaso já vinham detrás e mostra que os esforços desenvolvidos nos últimos anos de expansão de influência a leste, tinham também o objectivo de neutralizar e isolar a Rússia.
Por outro lado sabemos que eles não estão enganados, basta recordar o que afirmou Stanislav Belkovski, conselheiro de Vladimir Putin, quando decorriam as eleições ucranianas de 2004.: "A única maneira de prosperarmos no século XXI é restaurar o nosso domínio no espaço pós-soviético". Esta é uma obsessão da doutrina estratégica russa desde os primeiros tempo do consulado de Boris Ieltsin.
Com a acção militar no Cáucaso, a Rússia confirmou ao mundo de forma inequívoca o arranque da sua "estratégia de cerco" que consiste em restabelecer uma “esfera de influência” englobando pelo menos a Ucrânia, a Moldávia e a Geórgia. Aparentemente esta primeira acção está a ser a conseguida com êxito e tudo indica que dificilmente a Geórgia irá recuperar a Ossética do Sul e a Abhkázia. A Geórgia mais instável e com as forças militares fortemente atingidas com o actual conflito, seria menos apetecida aos interesses da NATO.
Os Estados Unidos, reféns da ajuda da Rússia na solução do programa nuclear iraniano não tiveram meios nem vontade política para proteger um aliado e a sua credibilidade regional foi largamente afectada. Até mais ver a Rússia está a conseguir os seus objectivos e está a sair vencedora. Os próximos tempos vão ser decisivos para se saber com que armas se vai afinal fazer esta guerra e quem virão a ser os vencidos e os vencedores.
Aparentemente os Estados Unidos no imediato, para além de se desmultiplicarem em contactos diplomáticos e em intervenções políticas mais ou menos relevantes, irão fazer braço de ferro com o seu rival, começando por fechar o acordo com a Polónia de instalação do sistema antimíssil e irão acelerar a entrada da Ucrânia e eventualmente da Geórgia na NATO. Vão tentar não cometer erros estratégicos, para mostrarem aos povos da região que são os aliados certos e que a Rússia é um país isolado sem aliados.
Seja qual for o desenrolar e o desfecho, para já, parece não haver dúvidas, o mundo está ainda mais instável e aumentaram as incertezas de manutenção da paz, fazendo ressuscitar velhas angústias do tempo da guerra fria. O gigante adormecido, afinal esteva sorrateiramente a preparar-se e a aguardar a sua oportunidade para contra-atacar e soube escolher o seu momento, mostrando as “garras” orgulhosamente de modo a convencer os rivais de quem manda no território, é ele.