sábado, 28 de fevereiro de 2009

“Andava por ai muito dinheiro falado, mas pouco dinheiro contado”.

Estamos a viver uma crise económico-financeira profunda ou o inicio de um processo de ajustamento económico-financeiro drástico, ao qual se irão combinar outras mudanças comportamentais decisivas, tendo em vista a sustentabilidade ambiental, social e económica do planeta, nesta e nas próximas gerações?
É incontestável que, após a segunda guerra mundial e até aos dias de hoje, apesar da ocorrência de crises económicas cíclicas, o mundo assistiu a um período de progresso económico e de criação de riqueza, impar na sua história. Os Estados Unidos da América lideraram o processo de crescimento mundial, através da imposição da sua moeda e do modelo de globalização, assente na economia de mercado. Porém, a partir de uma determinada altura esse crescimento passou a ser feito à custa do aumento crescente do défice externo americano, financiado pelas economias asiáticas. A reboque da maior potência mundial, as restantes economias, passaram também elas a ser sustentadas pela circulação de divida para aquisição de bens e de serviços, em vez de ser baseada na circulação de dinheiro como sempre fora até ai. Pode-se dizer que muitos estados, empresas e famílias foram assumindo riscos excessivos para as suas capacidades, usando e abusando do recurso ao endividamento. Por outro lado, os fundos disponibilizados pela actividade económica das empresas ou pela poupança de particulares, foram canalizados para fins não reprodutivos, tais como para activos financeiros de fácil e crescente sobrevalorização, criando uma bolha de riqueza artificial, sucessivamente acumulada ao longo dos anos.
Esta semana ouvi um velhote pronunciar, com acentuado sotaque regional, uma frase que sintetiza com sabedoria popular, o que acabei de escrever no parágrafo anterior: - “Andava por aí muito dinheiro falado, mas pouco dinheiro contado”. A actual crise em que o mundo se encontra era inevitável, pelo simples facto que era insustentável manter indefinidamente a ilusão do dinheiro de acesso fácil e devido a isso, aconteceu o que todos sabemos, o colapso da circulação da dívida.
Meus caros leitores, não será possível voltar a existir esperança e confiança no futuro, enquanto as dividas não forem liquidadas e, essa é uma tarefa árdua e muito prolongada que todos temos pela frente. Para se pagar as dividas, primeiro tem que se criar poupança. Esta por sua vez, implicará menos investimento, logo mais abrandamento económico e, desta sequência resultam as duas primeiras conclusões que vos quero transmitir: - Não é possível manter indefinidamente o crescimento contínuo. O modelo económico estrutural e conjuntural em que vivemos nas últimas décadas, está a esgotar-se.
As medidas que os governos dos diversos estados estão a desenvolver para enfrentar a crise, não são mais do que tentativas desesperadas para prolongar o modelo económico, mais uma vez à custa do aumento brutal dos défices, ou seja das dívida. Não vos quero transmitir uma visão apocalíptica, contudo não posso deixar de vos deixar a reflexão que a humanidade está estar perante um dos maiores desafios da sua história, porque estas medidas só irão continuar a dar a ilusão errada que é possível retomar o crescimento, o que só irá motivar o aumento da dimensão do boom final que, um dia, inevitavelmente, acabará por acontecer.
Não podemos evitar o período que se aproxima e que muitos analistas denominam de “Ajustamento Económico” e que eu prefiro denominar “Ajustamento Ambiental, Social e Económico”.
Os recursos do planeta não são ilimitados e o homem não tem feito a sua gestão sensata e equitativa, descurando simultaneamente a sua sustentabilidade. A queima de combustíveis fosseis necessária ao crescimento económico assente no modelo estrutural vigorante, têm afectado gravemente a camada de ozono que protege a atmosfera terrestre e isso vai implicar a curto prazo, efeitos irremediáveis ao planeta e provavelmente à forma como nele se vive. Os cientistas asseguram que o Oceano Árctico irá ficar sem gelo por volta dos anos 20 do século XXI e que o processo de degelo já é irreversível. A água potável é cada vez mais escassa e o ar mais poluído, em regiões do mundo onde há poucos anos seria impensável. Não obstante toda esta degradação do ecossistema, constata-se que mais de 40% da população mundial vive com menos de 2 US$ por dia. As crianças são as principais vítimas desta desigualdade lamentável e vergonhosa, morrendo diariamente com fome e doenças, aos milhares. Se fizermos uma avaliação da gestão que o homem tem feito do planeta, o saldo não poderia ser mais negativo. “Se o homem não controlar as suas acções neste planeta finito, será a natureza a controlar o homem”. Tem que se acabar com o saque injusto e insustentável dos recursos. Tem que se encontrar, desenvolver e aplicar novas soluções energéticas alternativas. Os líderes mundiais têm que perceber que as suas políticas não mais poderão desprezar os problemas ambientais e os problemas sociais. Nas próximas décadas, estes são os problemas que têm que ser tomados como prioritários pelos governos e pelas instituições mais poderosas. A economia ter-se-á de adaptar a estas novas realidades, reinventando-se a si própria, criando modelos ajustados às necessidades ambientais e sociais e não só, como até aqui. exclusivamente à criação de riqueza desigual e assimétrica. A falta de ética, a ganância, o egoísmo não poderá existir num mundo renovado e ter-se-á que desenvolver uma consciência colectiva sustentada, focada no bem comum e na sobrevivência e bem-estar global dos seres vivos.
Isto implicará obviamente, uma mudança radical de pensamentos, de consciências e de atitudes de toda a humanidade, principalmente de todos aqueles que, como nós, têm vivido no mundo ocidental e que, por isso mesmo, têm sido privilegiados relativamente a outros povos. Os primeiros, serão também os que certamente irão ter mais dificuldades em adaptar-se aos novos tempos que se avizinham. Mas será preferível e imprescindível fazer essa mudança, quando mais depressa melhor, porque a alternativa que nos é oferecida, poderá ser bem mais catastrófica para todos nós.
Serrone

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Crise de Valores e de Ética / Crise de Confiança


Não tenho dúvidas em afirmar que a crise de confiança teve origem e continua a sustentar-se na crise de valores e na crise de ética que se instalaram nas sociedades modernas. Estas últimas por sua vez, estiveram na génese da actual crise financeira e económica mundial e muito tem contribuído para o seu agravamento.

O estudo anual dos níveis de confiança nas marcas e na credibilidade das profissões, feito pelas Selecções do Reader´s Digest, entre Setembro e Novembro de 2008, junto de 900 portugueses, veio confirmar a percepção que todos nós já tínhamos. Uma das conclusões do estudo revela que a classe política é aquela em que os portugueses menos confiam (apenas 1% dos inquiridos revelou confiar nos políticos). Comparativamente com as conclusões de igual estudo feito há cinco anos, verificou-se uma queda de 75% de credibilidade dos políticos. A banca e os gestores das empresas também viram substancialmente diminuida a confiança que os portugueses depositavam neles. As conclusões do estudo feito pela Reader´s Digest noutros 16 países da Europa, não foram muito diferentes do estudo feito em Portugal. Todos sabemos que o mundo está a viver uma das maiores crises de confiança de que há memória. No caso do nosso país em concreto, os cidadãos estão a perder cada vez mais a confiança nas instituições democráticas, pedras basilares da existência e funcionamento normal do estado de direito.
A que se deve a crise de confiança de que vos falo? Terá a crise de confiança generalizada contribuído para o aprofundamento da crise económica/financeira a que assistimos?
Não tenho dúvidas em afirmar que a crise de confiança teve origem e continua a sustenta-se na crise de valores e na crise de ética que se instalaram nas sociedades modernas. Estas últimas por sua vez, estiveram na génese da actual crise financeira e económica mundial e muito tem contribuído para o seu agravamento.
Os esforços que os governos de muitos países estão a desenvolver isoladamente, ao injectarem capital em montantes avultados nas economias, sem previamente terem preparado e implementado uma estratégia comum à escala global, cujo objectivo seria restituir a credibilidade e a confiança aos mercados, infelizmente para todos nós, irão ficar longe de obterem o sucesso pretendido.
Já todos perceberam o que esteve mal no passado, o que continua a estar e a necessitar de correcção. Nem mesmo os neo-liberais devem acreditar que os mercados um dia possam voltar a ser deixados à sua sorte. Precisamos de mercados globais a funcionar em bases formais mais fortes, mais consensuais, regulados por uma única e nova entidade reguladora, suportada em redes de segurança espalhadas pelo mundo. As entidades reguladoras existentes falharam e continuam a falhar e nessas ninguém jamais irá acreditar, pelo que, o melhor será eliminá-las quanto antes.
Não será possível devolver a confiança aos cidadãos de todo o mundo e particularizando, aos nossos concidadãos, se estes continuarem a assistir aos erros cometidos no passado recente. O supervidor da banca portuguesa, o Banco de Portugal não poderá confiar demais e ficar satisfeito com meias respostas como foi afirmado esta semana por um ex-director de operações do BPN. Depos do que temos assistido no caso BPN e BPP, quem poderá estar descansado sabendo que os responsáveis do supervisor continuam a ser os mesmos?
Os portugueses têm que ser mais exigentes consigo próprios, com todos os decisores e com as instituições e não aceitarem a desculpabilização, porque só assim, talvez um dia possamos ganhar a confiança que nos permitirá viver um futuro melhor para nós e para os nossos filhos.

Serrone